Trama golpista: Fux diz que abolição do Estado Democrático de Direito não é ‘mera irresignação’ com o resultado eleitoral
‘Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais’, diz Fux
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quarta-feira (10) que a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito não pode ser confundida com simples inconformismo diante de uma derrota eleitoral.
“Não se pode admitir que possam configurar tentativa de abolição do Estado Democrático do Direito discursos ou entrevistas, ainda que contenham rudes acusações contra membros de outros Poderes, muito menos podem ser responsabilizados pela aplicação dos artigos 359-L e 359-M petições ao Judiciário contendo questionamento ao sistema eleitoral […]. Petição judiciária é direito de acesso de todos”, disse Fux.
Ele afirmou ainda que acampamentos radicais e aglomerações não configuram tentativa de abolição do Estado de Direito.
“Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais, assim entendido o desejo sincero de participar do governo democrático, mesmo quando isso inclua a irresignação pacífica contra os poderes públicos.”
Fux é o terceiro ministro a votar no julgamento da Primeira Turma do STF.
São réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete ex-auxiliares e oficiais militares por crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A denúncia da Procuradoria-Geral da República diz que eles atuaram para subverter a democracia e impedir a posse do presidente Lula.
Antes de Fux, tanto o ministro Alexandre de Moraes quanto Flávio Dino votaram pela condenação dos réus.
Em seu voto, Fux já afastou a condenação pelo crime de organização criminosa e sinalizou que vai absolver também pelos crimes de dano ao patrimônio, deterioração do patrimônio tombado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Democracia sob análise internacional
No início de seu voto, Fux mencionou rankings internacionais sobre democracia e Estado de Direito. Segundo ele, o Brasil ocupa a 80ª posição entre 142 países no Índice do Estado de Direito de 2024.
Nesse levantamento, o país ficou em penúltimo lugar no critério de imparcialidade do sistema criminal, à frente apenas da Venezuela
“O Brasil sofreu queda acentuada na sua classificação nos últimos anos. As plataformas de mídia social tiveram impacto problemático sobre a democracia brasileira, especialmente a partir de 2019, com a propagação de desinformação dirigida contra as instituições eleitorais e democráticas”, apontou.
O ministro também citou o Índice de Democracia da The Economist, no qual o Brasil aparece na 57ª posição e é classificado como uma “democracia imperfeita”.
Diferença entre democracia e autoritarismo
Ao fazer referência a estudos internacionais, Fux destacou que regimes autoritários simulam eleições, mantêm censura à imprensa e subordinam o Judiciário ao poder político.
“Nos regimes autoritários consolidados, o Estado de Direito é subordinado ao regime, e as violações de direitos civis e políticos são generalizadas. Tribunais são organizados para assediar membros da oposição, e a corrupção é endêmica, usada como mecanismo de manutenção do regime”, afirmou.
Conexão com a trama golpista
No julgamento da trama golpista, o ministro frisou que a conduta dos acusados não pode ser relativizada.
“A tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito se dá justamente por restringir ou suprimir o exercício dos poderes constitucionais. Diferentemente do tipo penal de golpe de Estado, aqui o alvo não é apenas o governo eleito, mas o próprio tecido democrático do país”, explicou.
Fux acrescentou que, em casos como esse, não se trata de atos isolados ou protestos pontuais, mas de uma ação estruturada.
“Não se confunde com mera manifestação de inconformismo. São práticas que visam corroer o núcleo da democracia”, concluiu.