Traduzindo o julgamento: como o STF decide se a prova da acusação é suficiente

Traduzindo o julgamento: como o STF decide se a prova da acusação é suficiente


Moraes durante leitura de seu voto na trama golpista em 9 de setembro
Gustavo Moreno/STF
O ministro Alexandre de Moraes, em seu voto na Ação Penal 2668, apresentou diversos elementos segundo os quais teriam ocorrido os crimes pelos quais a PGR denunciou o ex-Presidente Jair Bolsonaro e outros 7 réus.
Mas como o juiz chega à conclusão de que esses elementos são suficientes para a condenação, e como deve ele explicar isso na sua decisão?

O juiz deve decidir de acordo com a prova dos autos, incluindo a prova produzida nas audiências judiciais do processo e a prova que já existia na fase de investigação.
STF retoma julgamento por tentativa de golpe nesta quarta (10)
Deve sempre ser justificada a decisão, em uma argumentação à qual se dá o nome de “fundamentação”. No processo penal, como se trata da liberdade das pessoas, essa fundamentação deve demonstrar, com maior consistência do que em outros tipos de processos, que a prova existente é suficiente para afirmar que os fatos realmente ocorreram, e que os réus são culpados por eles.

O sistema que temos ganha o nome de “livre convencimento motivado”, ou “sistema da persuasão racional”, em razão da possibilidade de o Juiz utilizar a prova de maneira relativamente livre – desde que exponha de modo claro o caminho do seu convencimento. Essa necessidade de fundamentação existe para qualquer tipo de processo e está na Constituição. As decisões judiciais que não tiverem fundamentação não têm valor, são nulas.
A diferença no processo penal é o nível de convicção necessária para a condenação, o chamado “standard”: é preciso uma prova mais “forte” do que aquela necessária, por exemplo, para resolver uma disputa entre empresas ou uma ação em razão de uma colisão de trânsito.

A decisão deve expor, segundo os processualistas mais modernos, as razões objetivas do porquê de a prova existente convencer. Não basta o juiz afirmar estar convencido é preciso que explique as razões pelas quais a prova é confiável (ao que se dá o nome de “fiabilidade”), é preciso expor quais elementos confirmam (“corroboram”) as conclusões a que um determinado elemento de prova levam, entre outros fatores que permitam maior controle público sobre o conteúdo das decisões.
Quanto maior o controle público, mais a fundamentação exerce sua finalidade de permitir a crítica pela academia, pela imprensa e por quaisquer atores que devam se debruçar sobre a decisão proferida.

Há críticas de alguns estudiosos à ideia de buscar a verdade no processo penal. A discussão envolve embates filosóficos sobre a própria possibilidade de se alcançar a verdade. Prevalece, porém, que a verdade deve, sim, ser buscada – embora isso obviamente tenha limites na própria natureza humana e nas regras constitucionais e legais sobre a prova, como a proibição de acesso a conversas telefônicas sem autorização judicial ou a proibição da tortura.

A única exceção à regra da fundamentação das decisões no nosso sistema está no Tribunal do Júri: no julgamento dos crimes intencionais contra a vida, o jurado, uma pessoa do povo chamada a julgar a causa (julgamento que se dá por um “Conselho de Sentença” formado por 7 pessoas), decide conforme sua convicção íntima, e os votos pela condenação ou absolvição são secretos.
***Ao longo do julgamento da trama golpista, o g1 vai contar com o auxílio dos juristas Pedro Kenne e Thiago Bottino para traduzir termos complicados do mundo jurídico, esclarecer as principais divergências e pontuar manifestações relevantes.
***Pedro Kenne é procurador da República, doutorando e mestre em Direito Penal (UFRGS) e especialista em Direito Público (ESMPU).