Traduzindo: ministro Luiz Fux afirma a incompetência absoluta da Primeira Turma e do próprio STF para julgar a ação penal contra Jair Bolsonaro

“Reconheço cerceamento e declaro a nulidade do processo”, diz Fux
O ministro Luiz Fux, em seu voto nesta quarta-feira (10), abriu divergência já nas chamadas “preliminares”, discordando dos votos de Alexandre de Moraes e de Flávio Dino. Especificamente sobre a competência para julgar a Ação Penal 2668, que tem como réus Jair Bolsonaro e outros 7 acusados de golpe de Estado e outros crimes, Luiz Fux entendeu que o STF não deveria estar julgando a ação penal.
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A regra, em nosso sistema, é o julgamento pelos juízes de primeiro grau. Somente seria caso de julgamento pelo STF, nos termos do voto do ministro Luiz Fux caso houvesse autoridades com a chamada “prerrogativa de foro”: são ocupantes de cargos que, quando cometem crimes, devem ser julgados por tribunais específicos (o presidente da República, por exemplo, deve ser julgado pelo STF caso cometa crimes). O que ocorre é que atualmente nenhum dos acusados está ocupando cargos com prerrogativa de foro.
Fux lembrou que o STF alternou diversas interpretações, nas últimas décadas, sobre a prerrogativa de foro. O STF alterou novamente, este ano, o entendimento sobre a questão. Antes, entendia que, saindo do cargo, as autoridades deveriam ter o julgamento transferido para o primeiro grau.
Desde março de 2025, o STF mantém sua competência mesmo para pessoas que tenham saído de seus cargos. Essa mudança, ocorrida após o cometimento dos fatos agora em julgamento, traria, nos termos do voto, a sombra do “casuísmo” ao entendimento do STF, em uma “banalização” da compreensão sobre a prerrogativa de foro. Isso ofenderia o princípio do Juiz natural e o princípio da segurança jurídica.
O princípio do juiz natural diz respeito à necessidade de que a definição de quem irá julgar uma causa deva ser anterior ao cometimento de um fato. Definir um juiz após um fato tem o grande problema de permitir que quem está no poder determine o julgamento por quem tenha uma ou outra posição que lhe agrade; é o que se chama “tribunal de exceção”, que a Constituição expressamente proíbe.
Segurança jurídica é um conceito que diz respeito à estabilidade das relações que são objeto do direito. Para que as pessoas confiem nas normas e nos poderes constituídos, é necessário que haja uma estabilidade nas regras e em sua aplicação, de modo que se saiba o que esperar dos poderes públicos na hora de aplicar consequências aos fatos. A essa estabilidade dá-se o nome de segurança jurídica.
Incompetência absoluta ou incompetência relativa
O ministro concluiu pela “incompetência absoluta” do STF. A incompetência “absoluta”, diferentemente da “relativa” (como por exemplo o julgamento pelo juiz de primeiro grau de um lugar, quando competente deveria ser o juiz de primeiro grau de outro lugar) não pode ser relevada. A consequência é a nulidade do processo, desde seu início.
Ainda que a Corte fosse competente, o processo deveria ser julgado no Plenário, segundo Fux. Isso porque a alteração do Regimento Interno do STF que levou o julgamento de volta para as turmas aconteceu depois dos fatos que estão sendo discutidos, em 2023.
Assim, a “prerrogativa de foro” do Presidente da República seria para julgamento no Plenário do STF. É interessante lembrar que, independentemente disso, mesmo em seu texto atual o Regimento Interno do STF abre a possibilidade, em caso de “questão jurídica relevante”, de a Turma decidir enviar o julgamento ao Plenário.
Fux ainda enfatizou, no início de sua fala, a imparcialidade do Juiz, e o dever que ele tem de ser independente – independente da acusação, e independente do eventual clamor pela condenação.
*** Ao longo do julgamento, o g1 vai contar com o auxílio de juristas como Pedro Kenne e Thiago Bottino para traduzir as principais polêmicas, termos complicados e discursos importantes.
*** Pedro Kenne é procurador da República, doutorando e mestre em Direito Penal (UFRGS) e especialista em Direito Público (ESMPU).