Tarifas de 50% têm pouco efeito no mercado de petróleo, mas podem mudar comércio entre Brasil e EUA

Segundo especialistas ouvidos pelo g1, caso a tarifa aplicada por Donald Trump permaneça em vigor até 1º de agosto, o Brasil pode ter que buscar novos parceiros para escoar sua produção e adquirir insumos essenciais para o setor. Governo estuda retaliação após Trump anunciar tarifa de 50% ao Brasil
Caso entrem em vigor a partir de 1º de agosto, as tarifas de 50% anunciadas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros podem levar o setor de óleo e gás a procurar novos parceiros para escoar sua produção, afirmam especialistas ouvidos pelo g1.
Além disso, a eventual aplicação da Lei de Reciprocidade também pode alterar a dinâmica comercial entre os países. Mas analistas mantém alguma esperança que os EUA mantenham a isenção das taxas para os combustíveis minerais brasileiros, o que daria estabilidade aos negócios.
A tarifa aplicada por Donald Trump ao Brasil é a mais elevada entre as novas medidas adotadas até o momento. Para evitar a escalada de preços, os governos brasileiro e norte-americano têm até o fim do mês para chegar a um acordo.
Entenda abaixo os efeitos das tarifas no mercado de óleo e gás, e o que dizem representantes do setor.
Setor que mais exporta aos EUA
Especialistas e representantes do setor de óleo e gás ouvidos pelo g1 demonstram preocupação com o peso desse segmento nas exportações brasileiras.
Um levantamento da XP Investimentos, com base em dados do Ministério da Indústria (MDIC), mostrou que o petróleo, produtos petrolíferos e materiais relacionados foram os principais produtos exportados pelo Brasil aos EUA, correspondendo a 18,8% do total em 2024.
Apenas com óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, o Brasil vendeu cerca de R$ 2,4 bilhões aos EUA no primeiro semestre, o maior volume entre as exportações.
🔎 Minerais betuminosos são materiais derivados do petróleo que contêm betume — uma substância química viscosa, escura e inflamável — bastante utilizada na construção civil, especialmente em pavimentações e impermeabilizações.
Veja os produtos mais exportados pelo Brasil aos EUA entre janeiro e junho:
Óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos — US$ 2,37 bilhões
Produtos semimanufaturados de ferro ou aço (baixo carbono) — US$ 1,49 bilhão
Café não torrado, não descafeinado — US$ 1,16 bilhão
Carnes bovinas desossadas e congeladas — US$ 737,8 milhões
Ferro-gusa (ferro fundido bruto não ligado) — US$ 683,6 milhões
Celulose (pasta química de madeira não conífera) — US$ 668,6 milhões
Óleos combustíveis e preparações de petróleo — US$ 610,2 milhões
Infográfico – Entenda taxa de 50% anunciada por Trump ao Brasil e a relação econômica com os EUA.
Arte/g1
Os impactos para o Brasil
Apesar do elevado volume de exportações para os EUA, especialistas avaliam que o impacto das tarifas, no médio e longo prazo, tende a ser limitado no Brasil — principalmente porque o país possui capacidade para redirecionar o comércio a outros parceiros internacionais.
“Embora as exportações para os EUA representem atualmente cerca de 13% do total das exportações brasileiras de petróleo bruto, acreditamos que os efeitos podem ser facilmente mitigados pela redistribuição dos fluxos de exportação, dado que o petróleo é uma commodity líquida e com mercado global”, afirmou Regis Cardoso, responsável pela área de petróleo e gás natural da XP, em relatório.
Esse cenário também tende a reduzir os impactos para o consumidor final.
“Não acho que chega no consumidor porque, se isso tudo ficar desse jeito, o Brasil provavelmente vai procurar outro mercado”, diz o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e professor da PUC-Rio, David Zylbersztajn.
“Pode ser que haja algum período de adaptação, porque não é algo que se faz da noite para o dia. Mas, no médio prazo, você vai se adaptando e ajustando os preços.”
Além disso, especialistas apontam que ainda há expectativa de que os EUA mantenham a isenção das tarifas para os combustíveis minerais brasileiros — já que a carta de Trump não especificou se o setor de óleo e gás estará ou não sujeito à cobrança.
Caso a isenção seja confirmada, os impactos sobre o setor no Brasil devem ser ainda mais amenos. Por outro lado, há o alerta de que o governo brasileiro pode acionar a Lei da Reciprocidade Econômica, o que traria novos desdobramentos.
🔎 A Lei da Reciprocidade Econômica estabelece medidas de resposta em casos de retaliação comercial. Com a nova norma, o país ganha respaldo legal para reagir a ações consideradas injustas — como o tarifaço anunciado por Trump.
Segundo Sergio Araujo, presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), uma possível retaliação do governo brasileiro pode afetar diretamente os importadores de produtos dos EUA.
No setor de combustíveis, Araujo destaca que a maior preocupação é com o diesel, pois o Brasil ainda depende de importações para suprir entre 25% e 30% da demanda interna.
“Grande parte do diesel consumido importado vem da Rússia, mas cerca de 20% ainda é adquirido dos EUA”, afirma Araujo, ressaltando que a Petrobras é uma das principais responsáveis por trazer esse combustível norte-americano ao país.
“Com a Lei da Reciprocidade, há boas chances de a Petrobras ter que buscar alternativas ou até deixar de atuar diretamente na importação do produto, deixando que os importadores independentes garantam o abastecimento interno”, completa o presidente da Abicom.
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Petrobras, Cosan e Unipar são as mais impactadas
O levantamento da XP também indicou que grandes empresas do setor de óleo e gás obtêm parte de sua receita com exportações para os EUA, e podem ser impactadas pelas tarifas anunciadas por Trump.
Entre as empresas mencionadas no relatório estão a Cosan, com 6% de sua receita oriunda das exportações para os EUA. Na sequência, aparecem Petrobras (4%), Unipar (4%) e Braskem (menos de 1%).
Procuradas, a Cosan preferiu não se manifestar, enquanto a Unipar informou que se posicionará por meio de representantes do setor. A Braskem afirmou que está “acompanhando a evolução do tema e avaliando os potenciais impactos”.
A Petrobras, por sua vez, informou que está avaliando os impactos das tarifas recém-anunciadas sobre o petróleo e seus derivados. A empresa ressaltou que segue atenta aos movimentos do mercado e “mantém sua estratégia de buscar sempre a melhor alternativa para a empresa em qualquer cenário”.
“O posicionamento comercial e a atuação global da Petrobras permitem monitorar permanentemente os movimentos do mercado internacional e observar as opções mais econômicas”, completou a empresa, em nota oficial.
O que esperar à frente?
Segundo especialistas consultados pelo g1, embora se espere que os impactos sejam limitados no médio e longo prazo, o anúncio das tarifas ainda é recente e exige uma análise mais detalhada — que dependerá das negociações entre Brasil e EUA até a entrada em vigor das taxas, prevista para 1º de agosto.
De acordo com os especialistas, embora se espere que os impactos sejam limitados no médio e longo prazo, o anúncio das tarifas ainda requer uma análise mais aprofundada, que dependerá das negociações entre Brasil e EUA até 1º de agosto.
“É difícil saber os efeitos porque ainda tem uma volatilidade grande nesse processo de negociação que pode variar muito ao longo do tempo. Tudo pode mudar”, explica Zylbersztajn, da PUC-Rio.
Em nota, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) afirmou que o setor acompanha com preocupação o anúncio das tarifas.
O IBP também destacou a importância de manter o diálogo entre os dois países “para encontrar uma saída diplomática para a questão e preservar a estabilidade institucional e o fluxo comercial entre as duas maiores economias do continente”.
“A medida traz incertezas para o setor de petróleo e gás […]. Por isso, avaliamos com cautela os reais impactos sobre investimentos e competitividade da nossa indústria, que conta com mais de 40 mil empresas atuando diretamente no Brasil”, afirmou o instituto em nota.
Questionado sobre os possíveis efeitos das tarifas anunciadas por Trump nas negociações entre Brasil e EUA — e seus reflexos nas exportações brasileiras e no mercado interno — o MDIC não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.
Trump
Jim Watson / AFP