STF apura crime de desobediência de juiz que soltou réu do 8 de janeiro; Moraes aguarda resposta do CNJ

Juiz de Uberlândia é investigado por liberar réu cuja execução penal estava sob responsabilidade do STF. Em depoimento à PF, magistrado reconheceu que ‘cometeu equívoco’. Antônio Cláudio foi condenado por destruir relógio de Dom João VI durante os ataques em Brasília
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) e informações ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no inquérito que apura possível crime de desobediência do juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro. O magistrado, que atua em Uberlândia, é investigado por ter determinado a soltura de Antônio Cláudio Alves Ferreira, condenado por destruir o relógio histórico do Palácio do Planalto durante os atos de 8 de janeiro de 2023.
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O g1 procurou a defesa de Migliorini no inquérito criminal, representada pelo advogado Sânzio Baioneta Nogueira, do escritório Sânzio Nogueira & Krakauer Advogados, e aguarda retorno.
A investigação foi aberta no STF por determinação de Moraes, após a decisão da Vara de Execuções Penais de Uberlândia que concedeu ao preso a progressão de regime fechado para semiaberto.
Antônio Cláudio deixou o Presídio Professor Jacy de Assis sem tornozeleira eletrônica e foi recapturado três dias depois, em Catalão (GO), a cerca de 100 km de Uberlândia. O retorno à prisão foi determinado pelo ministro relator do processo.
Moraes justificou a investigação contra o juiz com base na possível prática de crime de desobediência, já que o processo de execução penal de Antônio Cláudio tramitava no STF.
🔎 O crime de desobediência está previsto no artigo 330 do Código Penal e ocorre quando alguém se recusa a cumprir uma ordem legal emitida por um funcionário público no exercício das funções. A prática é considerada de menor potencial ofensivo, com pena prevista de detenção de 15 dias a 6 meses, além de pagamento de multa.
No despacho assinado nesta semana, o ministro deu prazo de 15 dias para manifestação da PGR. Também solicitou ao CNJ informações sobre eventual procedimento administrativo contra o juiz de Uberlândia.
O CNJ confirmou à reportagem que instaurou um procedimento denominado ‘Pedido de Providências’ contra o magistrado mineiro. Não foram divulgadas informações sobre o andamento do processo.
Juiz prestou depoimento à Polícia Federal e reconheceu ‘equívoco’
Durante depoimento à Polícia Federal (PF), o juiz da Vara de Execuções Penais de Uberlândia afirmou que a liberação do réu foi resultado de um equívoco no sistema eletrônico, que cadastrou o processo como se fosse de competência da vara onde atua. Segundo ele, o erro o levou a acreditar que o caso estava sob sua jurisdição.
“O magistrado classificou tal equívoco como lamentável e afirmou que o erro cadastral o levou a crer que estaria atuando em um processo de sua competência, caso contrário, jamais teria decidido”, diz trecho do depoimento.
Além disso, o juiz negou qualquer intenção de afrontar o STF. “O magistrado reforça que nunca teve intenção de afrontar de usurpar a competência de quem quer que seja, de tribunal de justiça ou de tribunal superior. Reiterou, por fim, que respeita todas as instituições e que jamais teria decidido se soubesse que a competência não era sua”, diz outro trecho do documento.
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Juiz da Vara de Execuções Penais de Uberlândia, Lourenço Migliorini
TV Integração/Reprodução
Entenda a decisão que levou à soltura do preso
Na decisão para progressão de regime ao semiaberto, o juiz de Uberlândia levou em consideração que Antônio cumpriu a fração necessária de pena imposta no regime semiaberto, ser réu primário, ter boa conduta carcerária e a ausência de faltas graves.
O magistrado também estabeleceu uma série de condições para o benefício. Entre elas, estão:
Permanecer em casa em tempo integral, exclusivamente em Uberlândia;
Não sair da residência até autorização para trabalho externo;
Comparecer ao Presídio Jacy de Assis ou à Vara de Execuções Penais sempre que solicitado;
Fornecer material genético para banco de dados nacional;
Apresentar comprovante de endereço atualizado em até 10 dias;
Manter endereço e telefone atualizados;
Após instalação da tornozeleira, não violar, remover ou danificar o equipamento.
Porém, com a determinação do STF, a PF cumpriu o novo mandado de prisão contra Antônio Cláudio. O homem voltou para o Presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, por volta das 22h de 20 de junho.
Flagrado destruindo relógio histórico
O relógio destruído pelo réu, durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, foi um presente da Corte Francesa para Dom João VI, confeccionado por Balthazar Martinot, relojoeiro do rei Luís XIV. Câmeras flagraram o dano. Assista ao vídeo acima.
Após restauração em parceria com o governo da Suíça, a peça foi reintegrada ao acervo da Presidência da República.
A prisão de Antônio ocorreu no dia 23 de janeiro de 2023. Ele foi levado à delegacia da Polícia Federal em Uberlândia e, no dia seguinte, transferido para o presídio. Desde então, estava detido em cela individual de 6 metros quadrados na ala F do presídio.
Fontes do sistema prisional o classificaram como preso “tranquilo”, com rotina regular, quatro refeições diárias, banho de sol e direito a visitas.
Condenado pelo STF a 17 anos de prisão
O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Antônio Cláudio a 17 anos de prisão por cinco crimes:
abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é prisão, de 4 a 12 anos.
associação criminosa armada: ocorre quando há a associação de três ou mais pessoas, com o intuito de cometer crimes. A pena inicial varia de um a três anos de prisão, mas o MP propõe a aplicação do aumento de pena até a metade, previsto na legislação, por haver o emprego de armas.
dano qualificado: ocorre quando a pessoa destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia. Neste caso, a pena é maior porque houve violência, grave ameaça, uso de substância inflamável. Além disso, foi cometido contra o patrimônio da União e com “considerável prejuízo para a vítima”. A pena é de seis meses a três anos.
deterioração de patrimônio tombado: é a conduta de “destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial”. O condenado pode ter que cumprir pena de um a três anos de prisão.
Além disso, ele foi condenado ao pagamento de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.
Relógio de pêndulo do Século XVII, presente da Corte Francesa para Dom João VI.
Reprodução
O que disse a Justiça sobre a soltura do preso
“Após análise do processo, o magistrado identificou que Antônio Cláudio Alves Ferreira fazia jus à progressão do regime, visto que cumpriu a fração necessária de pena imposta, conforme se extrai do cálculo de liquidação de penas. Além disso, o magistrado constatou que não se tinha notícia de falta grave registrada recentemente e que o atestado carcerário de Antônio Cláudio Alves Ferreira noticiava boa conduta carcerária. Assim, o juiz entendeu que o reeducando encontrava-se apto à reinserção social, devendo, por isto, ser-lhe concedida a progressão do regime do fechado para o semiaberto.
Como a comarca não possui albergue para o cumprimento do regime estabelecido, foi concedida a progressão para o regime semiaberto com tornozeleira eletrônica para Antônio Cláudio Alves Ferreira. Contudo, como não há tornozeleiras disponíveis no Estado e não há data prevista para a regularização desse cenário, o magistrado determinou o imediato cumprimento do alvará de soltura sem o uso da tornozeleira, devendo a unidade prisional incluir o reeducando na lista de espera para a inclusão do equipamento eletrônico, assim que o equipamento estiver disponível.
O magistrado também estabeleceu algumas medidas, como a de que Antônio Cláudio Alves Ferreira permaneça em sua própria residência, em período integral, exclusivamente na cidade de Uberlândia, até a apresentação e liberação de proposta de trabalho junto à unidade prisional, não podendo se ausentar em nenhuma hipótese. O reeducando também deverá comparecer ao presídio Jacy de Assis ou à Vara de Execuções Penais sempre que solicitado, entre outras medidas.
A certidão de cumprimento do alvará de soltura foi anexada ao processo em 18/06/2025″.
O que disse a Sejusp
“Informamos que não procede a informação sobre suposta falta de tornozeleiras em Minas Gerais.
O contrato do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) com a empresa fornecedora prevê 12.933 vagas no sistema de monitoração eletrônica. Hoje, 8.820 vagas estão ativas, ou seja, com equipamentos em utilização. Portanto, há mais de 4.000 vagas ainda a serem preenchidas.
Quanto ao caso específico de Antônio Cláudio Alves Ferreira, esclarecemos que consta na decisão judicial , do próprio juízo da comarca, que caso o indivíduo apresente endereço diverso da comarca em que se encontra há a possibilidade de soltura sem monitoramento, somente com prisão domiciliar e os autos são remetidos à comarca de origem; que é o caso de Antônio Cláudio.
Desta forma, há um prazo legal de 60 dias para que ele providencie o endereço na comarca de Uberlândia e compareça ao Núcleo Regional de Monitoramento Eletrônico para colocar a tornozeleira.
Em tempo, informamos que Antônio Cláudio Alves Ferreira já está com agendamento realizado para os próximos dias.”
Câmeras de segurança do Palácio do Planalto flagraram homem danificando o Relógio Balthazar Martinot, também conhecido como Relógio de Dom João VI.
Reprodução/TV Globo
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