Sem atualização pelos últimos quatro anos, governo não sabe dizer quantos beneficiários do BPC estão na escola

Programa BPC na Escola foi criado em 2007, com o objetivo de acompanhar de perto crianças e adolescentes de baixa renda e com deficiência; último dado é de 2022. O cruzamento de dados do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Censo Escolar, considerado fundamental para o acompanhamento e monitoramento de crianças e adolescentes de baixa renda e com deficiência, não é feito desde 2022.
Sem o chamado pareamento de informações, o governo federal não sabe quantos beneficiários do BPC de 0 a 18 anos estão matriculados e frequentam a escola.
🔎BPC
pago a idosos com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência de qualquer idade;
a renda por pessoa da família deve ser igual ou menor que ¼ do salário mínimo, ou seja, de R$ 379,5;
o valor do benefício equivale a um salário mínimo: R$ 1.518.
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O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) disse que aguarda desde maio de 2024 parecer da Procuradoria Jurídica do Inep com regras para regular o acesso e o compartilhamento das bases de dados de beneficiários com deficiência.
A pasta também informou em nota que, “somente após a realização dos Pareamentos pelo INEP/MEC, será possível gerar a Nova Relação de Beneficiários e realizar a inserção no Sistema BPC na Escola, para possibilitar que as equipes técnicas dos municípios e do Distrito Federal realizem a aplicação do Questionário de Identificação de Barreiras do Programa BPC na Escola”.
O MDS é quem repassa os recursos para os municípios e o Distrito Federal: R$ 40 por cada questionário. Segundo o ministério, não existem problemas orçamentários para a execução do programa.
“O atraso está relacionado à negativa dos órgãos responsáveis em fornecer ao MDS o acesso às informações pessoais de alunos constantes nas bases de dados do Censo Escolar da Educação Básica, necessárias para a efetivação dos pareamentos do Programa BPC na Escola”, explicou o ministério.
350 mil
No último pareamento, foram identificados 500.670 beneficiários do BPC com deficiência, entre 0 e 18 anos, sendo que desses, 350.791 (70,06%) foram identificados com registro de matrícula (dentro da escola) e 149.879 (29,94%), sem registro de matrícula (fora da escola).
A partir desse panorama, assistentes sociais buscaram, em campo, compreender as barreiras que impediam ou dificultavam o acesso e a permanência na escola dos beneficiários do BPC e indicar as ações para superá-las, incluindo recursos, serviços e atendimento especializado como terapias complementares à escolarização.
No primeiro semestre desse ano, o ministério chegou a cadastrar 5.746 questionários no Sistema do BPC na Escola, mas isso corresponde a pouco mais de 1% do total de beneficiários identificados em 2021. 
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Para Mariana Rosa, conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE), os dados são fundamentais para aumentar o acesso dessas crianças à educação.
“Quando a gente tem o BPC na Escola funcionando é possível fazer um trabalho de busca ativa, intersetorial pra gente endereçar barreiras e poder retornar essa criança e jovem para a escola. A partir dos dados a gente consegue mapear quem são essas famílias, essas crianças, esses jovens e produzir ações setoriais pra buscar efetivar o direito a escola. Sem esses dados não tem como fazer isso. Quem tá fora vai continuar fora”, completa.
O g1 procurou o Ministério da Educação e o Inep. O MEC admitiu que o programa aguarda a realização, pelo Inep, dos pareamentos de 2022, 2023 e 2024 e que apenas após esse trabalho os gestores dos 5.083 municípios cadastrados no BPC na Escola vão poder executar as políticas de inclusão. Até a última atualização da reportagem, o Inep não havia respondido aos questionamentos.
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BPC na Escola
O programa foi criado em 2007, quando o atual ministro da Fazenda Fernando Haddad comandava o Ministério da Educação, durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na última sexta-feira, em entrevista ao programa Estúdio I da GloboNews, ao ser questionado sobre a adoção de medidas estruturais de corte de gastos, Haddad reconheceu que há problemas a serem corrigidos, por exemplo, no Seguro Defeso e no BPC. E lembrou que o BPC na Escola, uma derivação do BPC, foi importante para a inclusão de crianças e adolescentes.
Haddad não mencionou, entretanto, a falta de atualização das informações do programa, prejudicial à sua eficácia.
“Um dos programas que eu mais tenho orgulho de ter elaborado foi o BPC na Escola. O BPC na Escola levou para a escola pública 400 mil crianças com deficiência, que imaginavam que se frequentassem a escola iam perder o benefício. Nós batemos na porta dessas famílias, levamos essas crianças para a escola preparando a escola para recepcioná-las com salas multifuncionais”, disse o ministro.
Em 2007, o governo federal identificou 78.848 matrículas de beneficiários do BPC com deficiência, representando 21% do total de beneficiários, entre zero e dezoito anos. Quatorze anos depois, 350.791 matrículas, correspondendo a 70,06%. A partir de 2021, não há qualquer informação sobre o acesso e a frequência de crianças e adolescentes na escola.
Meta de inclusão no Plano Nacional de Educação
A produção de informações detalhadas sobre o perfil de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, de zero a 17 anos, é uma das estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE).
De acordo com Gabriel Salgado, gerente de educação do Instituto Alana, a falta de dados atualizados dificulta o planejamento da política pública e não há como executá-la com qualidade ou monitorá-la para aperfeiçoar. Segundo o especialista, isso mexe diretamente com a meta do PNE.
“Com a fragilidade de mecanismos como o BPC na Escola, o Plano Nacional de Educação fica diretamente prejudicado por não ter a informação atualizada de quantas são as crianças com deficiência das famílias mais vulneráveis que estão fora da escola. É fundamental que a gente possa saber quem são essas crianças e adolescentes que estão fora da escola hoje e isso só é possível por meio de uma articulação intersetorial”, explica.
A meta do Plano é de que 100% desse público tenha acesso à educação básica, preferencialmente na escola comum. O PNE foi instituído em 2014 e é válido por 10 anos.
Em julho do ano passado, o governo federal sancionou a lei que prorrogou o prazo para a vigência até dezembro deste ano e o novo Plano precisa ser votado pelo Congresso Nacional até o fim do prazo.