Reuniões, mensagens, documentos: as provas listadas por Moraes no voto da Trama Golpista

O ministro Alexandre de Moraes, relator da chamada Trama Golpista, apresentou nesta terça-feira (9) um voto em que reconstrói, em ordem cronológica, os principais episódios que, segundo ele, comprovam a existência de uma organização criminosa hierarquizada e permanente, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de se manter no poder independentemente do resultado das urnas.
“Essa será a estrutura do meu voto: é importante analisar o conjunto. Até porque a acusação foi feita e as defesas foram realizadas exatamente nesse conjunto — o conjunto de uma organização criminosa sob a liderança de Jair Messias Bolsonaro, que entre julho de 2021 e 8 de janeiro de 2023 praticou vários atos executórios”, afirmou Moraes.
A cronologia dos atos, segundo o relator:
7 de Setembro (2021)
Moraes lembrou de discurso, em 7 de Setembro de 2021, em qye Bolsonaro atacou ministros do STF.
“Isso não é conversa de bar, não é alguém no clube com um amigo. É o presidente da República, no 7 de Setembro, instigando milhares de pessoas contra o STF e contra um ministro da Corte.”
Live contra as urnas (29.jul.2021)
Bolsonaro transmitiu ao vivo ataques às urnas. Para Moraes, não se tratou de retórica, mas de ato executório.
“Todas as mentiras criminosas feitas na live eram disseminadas pelas milícias digitais. A live foi mais um ato executório.”
Reunião ministerial (5.jul.2022)
Vídeo encontrado com Mauro Cid mostrou ministros falando em guerra, vulnerabilidade das urnas e até a necessidade de “virar a mesa”.
“A reunião ministerial agravou a atuação contra o Estado Democrático de Direito. Foi confissão por parte de seus integrantes. Tudo isso constou da minuta do golpe — prisões, fechamento do TSE, gabinete pós-golpe”, afirmou Moraes.
Reunião com embaixadores (18.jul.2022)
Bolsonaro chamou diplomatas estrangeiros ao Alvorada e repetiu ataques sem provas às urnas.
“Essa reunião talvez entre para a história como um dos momentos de maior entreguismo nacional… preparatória para uma tentativa de retorno à posição de colônia brasileira, só que não mais em Portugal.”
Moraes lembrou que o episódio levou à condenação de Bolsonaro no TSE, que o tornou inelegível até 2030.
Blitz da PRF (2º turno, 30.out.2022)
Polícia Rodoviária Federal fez operações em rodovias, sobretudo no Nordeste, no dia do segundo turno.
“A cronologia comprova a ilicitude dessa conduta, liderada por Bolsonaro, com participação de Anderson Torres, a quem a PRF estava subordinada. Aqui a cronologia mostra o absurdo total e o desespero desse grupo criminoso”, pontuou o ministro.
Plano “Punhal Verde e Amarelo” (nov.–dez.2022)
Documentos revelaram plano de neutralização e prisão de autoridades.
“Se pretendia matar o presidente eleito da República. Não é possível banalizar esse retorno a momentos obscuros da nossa história. A prova é farta: o documento Punhal Verde e Amarelo foi impresso no Palácio do Planalto em 9 de novembro.”
No mesmo dia, o general Mário Fernandes imprimiu cópias e foi ao Alvorada encontrar Bolsonaro.
“Não é crível achar que ele imprimiu, foi ao Alvorada, ficou uma hora e seis minutos com o presidente e fez barquinho de papel com o plano. Isso seria ridicularizar a inteligência do tribunal.”
Áudio de Mário Fernandes a Mauro Cid
Mensagem gravada pelo general confirmou, segundo Moraes, ciência presidencial sobre a janela de tempo para o golpe.
“Não há prova mais cabal do que esse áudio: não há como afastar as alegações do colaborador Mauro Cid. Todas foram confirmadas pela presença em reuniões, pela impressão dos planos e por esse áudio patente da participação do líder da organização criminosa.”
Minuta de decreto levada a Bolsonaro
Segundo Moraes, a organização discutia a versão final de um decreto golpista, com prisões de autoridades.
“Não há dúvida de que essa minuta de decreto foi levada a Jair Bolsonaro. Previa prisões de autoridades e isso foi discutido. O comandante da Aeronáutica confirma, assim como o do Exército. A organização já tinha decidido pelo golpe — só faltava definir os termos do golpe.”
Atentado com bomba (dez.2022)
Explosivo colocado em caminhão-tanque em Brasília, nas vésperas do Natal.
“Se pegarmos a bomba no aeroporto de forma isolada, é uma coisa. Mas aqui temos uma sequência de tentativas de perpetuação no poder a qualquer custo.”
12.dez.2022 (diplomação) e 8.jan.2023 (ataques)
Segundo Moraes, houve tentativa de impedir a diplomação de Lula e, depois, depredação dos Três Poderes.
No dia 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação, apoiadores de Bolsonaro atacaram a sede da PF, em Brasília. No dia 8 de Janeiro, vandalizaram as sedes dos Três Poderes.
“Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase voltou a uma ditadura que durou 20 anos, porque uma organização criminosa constituída por um grupo político não sabe perder eleições.”
Uso de órgãos do Estado
O ministro detalhou a participação de alguns réus e o uso do órgãos do Estados na trama golpista.
Augusto Heleno
Agenda manuscrita, segundo Moraes, trazia diretrizes para deslegitimar eleições e ordens judiciais.
“Não é razoável um ministro do GSI ter uma agenda com anotações golpistas, preparando execução de atos para deslegitimar eleições e o Judiciário. Não entendo como alguém pode achar normal, em pleno século 21, uma agenda golpista.”
Alexandre Ramagem
Segundo Moraes, o ex-diretor da Abin, mantinha documentos em sintonia com Heleno.
“O documento ‘presidente TSE’ tinha tópicos idênticos ao discurso da live de Bolsonaro. O réu disse que era só para ele, uma espécie de ‘meu querido diário’. Não é razoável alegar que fossem só ideias guardadas.”
“Isso não é mensagem de delinquente do PCC para outro. É mensagem do diretor da Abin para o presidente da República.”
Dinheiro e Braga Netto
Segundo Moraes, houve tratativas de financiamento.
“Mauro Cid confirma com Braga Netto a necessidade de dinheiro. Houve tentativa de encaminhar ao PL, que recusou. Depois, segundo o colaborador, o dinheiro veio do agronegócio e serviu para comprar chips e celulares da chamada ‘Operação Copa 2022’.”
A tese central do relator
“O réu Jair Messias Bolsonaro deu sequência à estratégia golpista estruturada pela organização criminosa, sob sua liderança, para colocar em dúvida o resultado das eleições, obstruir a Justiça Eleitoral, atentar contra o Judiciário e garantir a manutenção de seu grupo político no poder, independentemente dos resultados.”