Presença de cubanos no Mais Médicos reduziu ao longo dos anos; formato atual prioriza profissionais brasileiros

A participação cubana no programa Mais Médicos foi reduzida ao longo da última década e, hoje, representa apenas 10% do total de profissionais ativos na iniciativa.
Criado em 2013, o Mais Médicos sofreu reformulações e ajustes com as mudanças de governo no Brasil e passou a priorizar a seleção de médicos nacionais — formados aqui ou no exterior — para o programa.
Os cubanos, que chegaram a ocupar mais de 11 mil postos na iniciativa, foram reduzidos a um patamar de quase 2,7 mil médicos.
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A participação dos profissionais do país caribenho no programa sempre foi alvo de divergências políticas.
Doze anos após a chegada da primeira leva de cubanos, a disputa ganhou um novo capítulo — desta vez, pelas mãos do governo dos Estados Unidos.
O Departamento de Estado americano revogou vistos de entrada no país de dois funcionários do governo brasileiro ligados ao Mais Médicos e à participação dos caribenhos na iniciativa.
Os americanos acusam o programa de colaborar com um “esquema de exportação de trabalho forçado do regime cubano”.
O Mais Médicos foi lançado pelo então governo Dilma Rousseff (PT) e foi mantido, com ajustes e mudanças, pelos três presidentes que a sucederam: Michel Temer (MDB), Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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O programa tem como objetivo levar profissionais para regiões nas quais há escassez ou ausência de médicos. Os selecionados atuam em equipes de saúde da família, responsáveis pelos primeiros atendimentos na rede pública de saúde e por encaminhar os pacientes para outras especialidades.
Na primeira fase da iniciativa, a interiorização dos médicos brasileiros foi um dos principais obstáculos para o governo. A baixa adesão dos profissionais nascidos no Brasil levou a então gestão Dilma a buscar alternativas em outros países — em especial, Cuba.
Por meio de um convênio com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), os profissionais do país caribenho passaram a ser contratados e enviados a localidades recusadas por médicos brasileiros inscritos no Mais Médicos.
Uma das principais polêmicas do programa vinha justamente da parceria. Pelas regras, a remuneração não era paga diretamente aos cubanos. Os repasses do governo brasileiros eram feitos à Opas, a quem cabia intermediar a contratação e o envio do dinheiro para Cuba.
No anúncio do convênio, o governo brasileiro afirmou que pagaria cerca de R$ 10 mil mensais aos profissionais. Mas, na prática, o valor recebido pelos médicos era bem menor — parte significativa era retida por Cuba.
Em 2015, no segundo ano de programa, a participação cubana registrou a sua maior fatia: mais de 60% dos profissionais ativos, ou 11,4 mil médicos atuantes. No ano seguinte, já sob as mãos de Temer, houve o primeiro revés: o Ministério da Saúde anunciou um plano para reduzir o número de cubanos no Mais Médicos.
Logo depois, em 2018, veio a decisão do governo de Cuba de romper a parceria para o envio de médicos ao Brasil (veja mais abaixo).
Desde então, a presença cubana no programa reduziu paulatinamente. Passados doze anos, o Ministério da Saúde registra a contratação de 2.661 médicos cubanos para a iniciativa — o equivalente a 10% dos mais de 26 mil profissionais ativos no programa em 2025.
A maior parte dos cubanos (59,9%) que atua hoje no Mais Médicos tem contrato de participação como intercambista.
Em 2023, com a reformulação do programa pelo novo governo Lula, essa categoria passou a permitir que médicos formados no exterior atuassem no Brasil, apenas por meio do Mais Médicos, sem precisar revalidar o diploma. Há, no entanto, um limite para isso: até quatro anos.
Outros 1.067 médicos cubanos trabalham atualmente com diplomas revalidados pelo Brasil.
Parte desses profissionais integra o programa amparada em uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que obrigou a recontratação de mais de mil médicos.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o estado de São Paulo tem o maior número de profissionais cubanos do programa (543). Na sequência, aparecem o Rio Grande do Sul (271) e o Paraná (209).
A reportagem procurou o Ministério da Saúde sob quais regras foram selecionados os profissionais cubanos que ainda atuam no país. Até a última atualização deste texto, a pasta não havia respondido.
Altos e baixos
Colete do Ministério da Saúde com a logomarca do programa Mais Médicos
Divulgação
A redução de cubanos no Mais Médicos é resultado direto de duas movimentações ocorridas nos últimos anos:
o rompimento da parceria por decisão do governo de Cuba;
e a aprovação de uma mudança na Lei do Mais Médicos pelo Congresso, que impede repasses indiretos aos profissionais inscritos no programa.
A primeira e mais impactante ocorreu em 2018. Logo depois da eleição de Bolsonaro, Cuba decidiu romper a parceria com o Brasil após declarações do então presidente eleito.
À época, Jair Bolsonaro manifestou que os médicos cubanos só ficariam no Brasil se revalidassem os diplomas. Cuba classificou a fala como “inaceitável” e afirmou que o posicionamento de Bolsonaro colocava em xeque a preparação dos profissionais cubanos.
O governo cubano ordenou, então, o retorno dos mais de 8 mil profissionais que estavam em solo brasileiro. Eles atendiam em cerca de 2,4 mil municípios.
Com o fim do parceria, a presença cubana no programa foi reduzida e passou a ser regida pelas regras da Lei do Mais Médicos.
Pela norma, que ainda está valendo e segue sem modificações, a contratação de estrangeiros está em último na lista de prioridades da seleção do programa.
O Mais Médicos define que, nos editais, terão preferência os profissionais formados no Brasil ou aqueles médicos que conseguiram revalidar o diploma por aqui.
Na sequência, a lista de prioridade traz os médicos brasileiros formados no exterior, sem diploma revalidado.
Por último, aparecem os médicos estrangeiros sem registro profissional brasileiro — onde entram os intercambistas, categoria que reúne a maior parte dos cubanos que ainda atuam no Brasil.
Segundo as regras, os médicos estrangeiros sem diploma validado pelo Brasil só podem atuar no Mais Médicos depois de serem aprovados em um treinamento, o chamado Módulo de Acolhimento e Avaliação (MAAv).
Além do fim da parceria com Cuba e a retomada das regras de prioridade em contratação, outro fator que também fez cair a presença de cubanos foi a reformulação do Mais Médicos em 2023.
Na ocasião, ao analisar uma medida provisória editada por Lula, o Congresso inseriu um trecho para impedir pagamentos indiretos aos médicos do programa — a base do antigo convênio com Cuba.
Pelo texto, que modificou a Lei do Mais Médicos, os pagamentos mensais devem ser feitos diretamente aos profissionais participantes, sem intermediários.
Parlamentares avaliam que a medida impede, na prática, a existência de novas parcerias com governos estrangeiros.
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Estrangeiros no Mais Médicos
Cuba não é o único país de origem dos profissionais estrangeiros inscritos no Mais Médicos. Ao todo, o Ministério da Saúde registra 54 nacionalidades diferentes (o número não é consolidado porque algumas se repetem em algumas aparições com escritas diferentes).
Os cubanos lideram essa lista, com uma margem bastante grande. A soma de todos os outros países representa menos da metade dos profissionais de Cuba — apenas 1 mil médicos.
O ranking é liderado pela Bolívia, com 188 profissionais ativos no programa. Na sequência estão:
Venezuela: 82 médicos;
Paraguai: 55;
Peru: 42;
Argentina: 30;
Colômbia: 27;
Equador: 13;
Haiti: 12;
Uruguai: 12;
e Cabo Verde: 8.