Por que consumidores na América Latina têm comprado menos Coca-Cola e Pepsi no supermercado

Inflação cai em julho
Os mexicanos estão entre os povos que mais bebem refrigerante no mundo. Em média, quase 270,9 litros por domicílio por ano, contra 76,6 litros no Brasil, 114 litros no Reino Unido e 40 em Portugal, segundo os números da empresa de pesquisa Worldpanel by Numerator.
Tem gente que toma em todas as refeições, inclusive no café-da-manhã, conta Marcela Botana, que há muitos anos pesquisa os hábitos de consumo dos latino-americanos.
As marcas mais consumidas são, de longe, Coca-Cola e Pepsi — especialmente a primeira, que chega a mais de 90% dos lares do país.
Mas mesmo no México as duas marcas americanas vêm enfrentando uma dupla concorrência que tem reduzido a frequência com que vêm sendo compradas em supermercados na América Latina, Brasil incluído.
De um lado, está a percepção de que os refrigerantes não são saudáveis e, de outro, a emergência de marcas locais.
A dinâmica foi observada no conjunto de 15 países da região acompanhados pela pesquisa Brand Footprint América Latina, que analisa o comportamento de consumo no varejo dos moradores da região em relação a marcas globais. O relatório de 2025 foi adiantado com exclusividade à BBC News Brasil.
Consumo na América Latina é bastante sensível a preços, diz especialista
Getty Images via BBC
Colombiana, Pritty, Itubaína
A categoria de refrigerantes foi a que mais perdeu alcance em 2024, de acordo com a medida usada pela pesquisa, os Consumer Reach Points, ou CRP (pontos de alcance do consumidor, em tradução literal), que medem quantas vezes as marcas são escolhidas nas gôndolas pelos consumidores.
Acompanhando os gastos mensais de milhares de famílias, a análise olha para categorias como alimentos, bebidas e produtos de higiene pessoal (o grupo que no jargão do setor é conhecido pela sigla FMCG, de “fast-moving consumer goods”, ou “bens de consumo de rápida movimentação”, em tradução literal).
A queda foi puxada pelas duas marcas que dominam o mercado, a Cola-Cola, com redução de 4,7% em relação ao ano anterior, e a Pepsi, de 4,9%.
Uma das razões identificadas para o movimento é uma dinâmica recorrente quando se trata de América Latina: aumento de preços.
A trajetória de alta da inflação no último ano, especialmente de alimentos, reduziu o poder de compra de muitas famílias e as obrigou a fazer escolhas que acabaram diminuindo a frequência com que escolhiam as marcas no supermercado.
“Na América Latina, a gente sabe lidar com essa questão [da inflação]. O consumidor equilibra”, comenta Botana.
Uma das consequências dessa busca por equilíbrio financeiro foi o aumento do consumo de marcas locais, que geralmente são mais baratas.
Caso da Red Cola no México, da Cunnington e da Pritty na Argentina, da Colombiana na Colômbia e do Itubaína no Brasil. A marca brasileira, que hoje pertence ao Grupo Heineken, registrou o maior aumento de CRP em relação ao ano anterior, de mais de 50%.
Botana destaca que a chance de entrar na casa das pessoas é uma oportunidade para as marcas menores tentarem ser mais conhecidas — um movimento bastante difícil num mercado dominado por duas grandes multinacionais.
“A partir do momento em que essas marcas começam a ser repetidas [compradas mais de uma vez], elas passam a atrair mais consumidores. É uma construção de relevância pra elas”, destaca a especialista, emendando que o levantamento não observou um movimento de rejeição a essas marcas menores, com compras isoladas que não se repetiram.
Lei de rotulagem para produtos ultraprocessados ganhou fôlego na região
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‘Alto em açúcar adicionado’
Em paralelo à motivação econômica, a análise identificou outra força impulsionando a redução de frequência no consumo de Coca e Pepsi, a ideia de que refrigerantes fazem mal à saúde.
Em um levantamento recente da Worldpanel by Numerator, 89% dos latino-americanos declararam enxergar bebidas açucaradas como negativas e 38% disseram querer diminuir o consumo de refrigerantes em algum momento nos três meses seguintes.
Em entrevista recente à BBC News Brasil, a nutricionista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Mariana Ribeiro, ressaltou que os consumidores brasileiros estão cada vez mais interessados em verificar o que de fato estão consumindo e se informar sobre o rótulo dos produtos.
Em 2022, o país tornou obrigatória a inclusão de selos de alerta sobre o conteúdo nutricional de alimentos industrializados, chamando atenção para aqueles que têm alto teor de sal, gordura saturada e açúcar adicionado.
A medida se encaixa em uma tendência mais ampla que nos últimos anos tem ganhado espaço em diversos países da América Latina.
O Equador foi o primeiro, em 2014, com o “semáforo nutricional”, que destaca em vermelho ingredientes de baixo teor nutricional que existam em grande quantidade, em amarelo em média e verde, pequena (por exemplo: alimento alto em açúcar e baixo em sal).
O Chile veio na sequência, com implementação entre 2016 e 2019, depois Peru (2019 a 2021), Argentina (2021), Brasil e Colômbia (2022) e México (2020 a 2025).
No momento, outros cinco países da região têm projetos de implementação da lei: República Dominicana, Guatemala, El Salvador, Costa Rica e Panamá.
Botana diz que a medida deixou os consumidores muito mais atentos sobre o que ingerem.
Os números acompanhados pela Worldpanel, segundo ela, não indicam que as pessoas deixaram de consumir os produtos que ganharam rótulos negativos, mas apontam que, em muitas ocasiões, elas reduziram a frequência com que os levam pra casa.
Foi o que aconteceu com os refrigerantes. Enquanto isso, vem crescendo a frequência de consumo de produtos vistos como mais saudáveis pelos consumidores, como água natural engarrafada e isotônicos.
A especialista destaca que, apesar do cenário, Coca-Cola e Pepsi ainda têm grande popularidade na América Latina.
Mesmo com a retração, a Coca ainda ficou em primeiro lugar no ranking da Brand Footprint na América Latina, posição que sustenta de forma praticamente ininterrupta nos mais de dez anos em que a pesquisa vem sendo realizada.
Ela foi a marca mais escolhida pelos consumidores na região em 2024, com maior número de Consumer Reach Points. A Pepsi ficou em terceiro.
“Essas marcas ‘principais’ realmente ocupam espaço, a gente está falando de outro patamar de alcance. O poder que elas têm pra se recuperar é gigantesco”, pontua Botana.
Nesse sentido, ambas têm buscado se adaptar às mudanças no cenário de consumo lançando bebidas “zero açúcar”, produtos em embalagens menores e até retornáveis, nesse último caso em um aceno à sustentabilidade.
A reportagem procurou as duas empresas para que se manifestassem sobre o relatório caso desejassem. A Coca-Cola não retornou o contato e a Pepsi respondeu que preferia não comentar.
Antiamericanismo?
A reportagem questionou a especialista sobre a possibilidade de que a redução na frequência de consumo das duas marcas pudesse também estar ligada a uma reação dos consumidores às tarifas impostas pela gestão de Donald Trump a diversos países e à retórica por vezes considerada hostil do presidente americano em relação ao restante do mundo.
Botana afirmou que há alguns meses a Worldpanel tem investigado essa possibilidade em um conjunto de 10 marcas globais que consideram ser as mais associadas aos EUA, avaliando o comportamento de consumidores em todo o mundo.
No momento, conforme os resultados parciais, já é possível verificar uma correlação entre redução de consumo e uma espécie de boicote entre países como Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. Na América Latina, contudo, esse movimento não tem sido observado.
“Nos países nórdicos a gente viu de fato isso acontecendo bem rapidamente, com algumas quedas de penetração já mais marcadas”, ressalta Botana.
“A gente não esperava nenhuma grande mudança na América Latina, porque a questão do preço aqui é muito importante”, ela acrescenta, referindo-se ao fato de que os consumidores elegem algumas categorias de produtos, como refrigerantes, por exemplo, por razões financeiras, para evitar opções mais caras.
Por que consumidores na América Latina têm comprado menos Coca-Cola e Pepsi no supermercado
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