Orçamento de 2026: governo busca de novo alta de impostos para equilibrar as contas públicas; setor produtivo resiste

Apresentada inicialmente para compensar a alta do IOF, que havia sido derrubada pelo Congresso mas foi retomada após decisão judicial, a medida provisória que eleva uma série de impostos agora faz parte da estratégia do governo para equilibrar as contas públicas em 2026, ano eleitoral, e tentar evitar uma restrição maior de gastos.
A proposta, que contempla o aumento da tributação sobre empresas (juros sobre capital próprio), “fintechs”, apostas online, criptoativos, cooperativas e títulos incentivados — como LCI e LCA — enfrenta, porém, forte resistência do setor produtivo.
Publicada em junho, a MP 1.303 está em vigor, mas tem de ser votada pelo Congresso Nacional até o início de outubro para não perder a validade. Nas contas do governo, as propostas nela contidas gerarão um incremento de arrecadação de R$ 21 bilhões em 2026.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já adiantou que os recursos arrecadados com a MP estão nos cálculos da equipe econômica para tentar fechar as contas no ano orçamento do que vem — cuja proposta será encaminhada ao Legislativo em 30 de agosto.
Em busca da meta fiscal
A área econômica do governo tem dito, até o momento, que vai manter a meta para as suas contas — algo considerado difícil pelo mercado — em um superávit de 0,25% do PIB, cerca de R$ 31 bilhões, para o ano de 2026 (com intervalo de tolerância). Isso tende a gerar um cenário de forte restrições de gastos em um ano eleitoral.
Cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, apontam que o cumprimento da meta fiscal de 2026 demandará um esforço de R$ 80 bilhões para chegar ao piso da meta fixada (déficit zero, considerando o intervalo de tolerância). Metade desse esforço, pelos cálculos, pode vir do aumento do IOF (já confirmado) e da MP que eleva impostos (ainda passível de aprovação pelo Congresso).
▶️Se a Medida Provisória for derrubada, toda, ou em partes, a equipe econômica terá de fazer ajustes no orçamento, antes de sua aprovação pelo Legislativo, para compensar a perda de recursos e tentar atingir a meta fiscal.
▶️O aumento de arrecadação para atingir as metas fiscais não é um expediente novo do governo. Em 2024, por exemplo, a equipe econômica contou com as receitas dos seguintes aumentos:
tributação de fundos exclusivos (alta renda) e das “offshores” (exterior);
mudanças na tributação de incentivos (subvenções) concedidos por estados;
aumento de impostos sobre combustíveis feito em 2023 e mantido em 2024 (ano inteiro);
retomada do voto de confiança no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf);
limitação no pagamento de precatórios (decisões judiciais).
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Outras ações para equilibrar o orçamento
▶️Além de contar com os recursos da MP 1.303, a equipe econômica também espera a aprovação, pelo Senado Federal, da PEC 66, que trata de precatórios e que também abre uma folga de R$ 12,4 bilhões no orçamento de 2026 (no limite de gastos) por conta da diferença entre a inflação prevista no envio do orçamento e o resultado final do ano anterior. O governo argumenta que busca abrir esse espaço no teto de gastos para incorporar as despesas com o salário maternidade.
▶️Sem dar detalhes, o Tesouro Nacional avaliou, no fim de julho, que, além do aumento do IOF e da MP que eleva tributos, um “esforço adicional de arrecadação” pode ser necessário para atingir as metas das contas públicas nos próximos anos. Em 2024 e 2025, o governo lançou mão de receitas extraordinárias para buscar as metas fiscais como, por exemplo, dividendos de empresas estatais e leilões adicionais de petróleo.
Posição do setor produtivo
▶️Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz que, entre os principais pontos que preocupam, está o aumento do IR na fonte sobre juros sobre capital próprio (JCP), que reduzirá investimentos das empresas, e o início da tributação sobre títulos incentivados (debêntures, LCIs e LCAs), além da “falta de clareza” sobre limitações a limitação do uso de créditos tributários, algo que “traz grande insegurança e incerteza para as empresas, prejudicando seu planejamento”. Por outro lado, julga que o aumento do tributo sobre as “bets” é “correto e necessário”.
“O correto seria ampliar o rol de medidas estruturantes de redução de despesas, buscando a contenção e racionalização do gasto público; em vez de focar no aumento da tributação, que já se encontra em patamar muito elevado. Para se ter uma ideia desse nível excessivo de tributação: a carga tributária do Brasil corresponde a 32,3% do PIB, enquanto a carga tributária média na América Latina é de 21,4%”, avaliou a CNI.
▶️Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que “compreende a necessidade” de busca do equilíbrio das contas públicas para adequação ao arcabouço fiscal vigente, mas avalia que o aumento da carga tributária, com novo aumento de tributos, “não é a solução ideal, pois traz consequências ao funcionamento da economia real”.
“O debate em torno das alternativas deve ser aprofundado no Parlamento durante a tramitação da MP 1.303”, acrescentou a Febraban, por meio de nota.
▶️Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), que conta com mais de 120 empresas associadas atuantes nas áreas de energia elétrica, petróleo e gás natural, transportes, saneamento ambiental, telecomunicações e indústrias de base, diz que é contra o fim dos incentivos fiscais presentes nos rendimentos das debêntures incentivadas, debêntures de infraestrutura e das Letras de Crédito de Desenvolvimento.
“As debêntures, títulos do mercado de capitais, são hoje a principal fonte de financiamento da infraestrutura. As letras de crédito de desenvolvimento (LCD) são títulos importantes para a captação de recursos pelos bancos de fomento para financiarem infraestrutura. Portanto, o fim dos incentivos, poderá reduzir os investimentos e eventual aumento de tarifas publicas, pedágio, contas de luz, água e esgoto, dentre outros. É um contrasenso”, diz o presidente da Abdib, Venilton Tadini.
▶️Associação de Bets e Fantasy Sport (ABFS) avalia que a MP caminha na direção equivocada de aumentar ainda mais a carga tributária sobre “setores que já contribuem de forma significativa para a arrecadação nacional”.
“O novo aumento não só inviabiliza a operação de empresas no Brasil como também compromete a geração de empregos e a manutenção de investimentos no país (…) Uma elevação nesse patamar representa um desestímulo ao setor legalizado, favorecendo o mercado paralelo e reduzindo a competitividade do Brasil frente a outros países. A consequência é a fuga de investimentos, além de menor arrecadação no médio prazo, exatamente o contrário do que o governo busca com a medida”, acrescenta a entidade.
▶️Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que reúne quase 500 empresas e representa 88% do valor de mercado listado na B3, avaliou que o aumento nos juros sobre capital próprio (JCP) será um “desestímulo ao mercado de capitais e promoção do endividamento das empresas brasileiras, e que a limitação do uso de créditos “terá impacto no caixa das empresas brasileiras e resultará em aumento do endividamento das empresas e insegurança jurídica para operar no Brasil”.
“Há muitas utilizações de crédito dentro do mesmo grupo empresarial. Aliás, algumas empresas foram criadas justamente porque havia uma falha no mecanismo de compensação de devolução desses créditos ao consumidor. Então, o fato que um desajuste do tributário atual levou a um sentido econômico, e as empresas acabaram criando empresas subsidiárias ou em áreas correlatas, para justamente dar fim ou dar encaminhamento a esses créditos tributários. Este é um problema muito grande, essa proibição é muito grande”, disse Pablo Cesário, presidente-executivo da Abrasca.
▶️Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), que tem cerca de 700 empresas associadas. Diego Perez, presidente da entidade, avaliou que as “fintechs”, mesmo que de grande porte, se diferenciam de instituições financeiras por não poder fazer a chamada “intermediação financeira”, ou seja, não captarem recursos usando o dinheiro dos clientes. E também não podem compensar perdas com créditos tributários. Por isso, em sua visão, mesmo com um tributação menor, atualmente, as “fintechs” já são tributadas com uma “alíquota efetiva” maior do que a dos grandes bancos.
“Operação das ‘fintechs’ já é de margem [de lucro] apertada. As empresas oferecem, por exemplo, contas gratuitas para competir com grandes bancos, entregando um produto mais barato. Quando majora [a alíquota], acaba tirando ela do jogo. Vai ter desaceleração muito grande [da atividade], fintechs que vão ter de fechar as portas e deixar de existir e seus empreendedores voltarem para grandes bancos”, declarou Diego Perez, da ABFintechs.
▶️Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), que reúne 98 sindicatos e associações patronais do setor da construção em todo país. Entidade avalia que o aumento da tributação sobre debêntures incentivadas e LCIs, instrumentos de captação de recursos para infraestrutura e setor imobiliário, pode gerar perda de atratividade desses instrumentos, redução de recursos disponíveis para as obras e comprometer, a médio e longo prazos, projetos já em andamento, assim como inviabilizar novos.
“A gente entende que a tributação das operações financeiras, ativos de crédito, dentro ce um grande contexto de um ajuste fiscal, deveria vir acompanhada de medidas de reforma de Estado, de contenção de gastos. Ela vir sozinha, ainda mais com todas as outras medidas que já foram tomadas e ainda estão sendo discutidas de aumento de arrecadação, tira dinamismo da economia, previsibilidade”, disse Fernando Guedes Ferreira Filho, presidente-executivo da CBIC.
Medidas da MP 1.303 e arrecadação esperada em 2026
▶️ Aumento da alíquota sobre bets, de 12% para 18% sobre a receita líquida (GGR): ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que setor tem um lucro bruto de R$ 40 bilhões por ano e defende mais impostos. Se confirmada, medida vai incrementar os cofres públicos com R$ 1,7 bilhão em 2026.
▶️Juros sobre capital próprio: aumento da taxação dos juros sobre capital próprio (JCP) — mecanismo utilizado pelas empresas — de 15% para 20%. Se levada adiante, ação vai aumentar as receitas em R$ 5 bilhões no próximo ano.
▶️Aumento de zero para 5% na taxação dos chamados títulos incentivados, como LCI, LCA: ministro Haddad diz que o custo da isenção é alto, de R$ 41 bilhões por ano. Governo pretende arrecadar R$ 2,6 bilhões com a medida em 2026.
▶️Governo fixa IR de 17,5% em aplicações financeiras; hoje, taxa é de 15% a 22,5% dependendo do prazo: haverá unificação, se confirmada pelo parlamento, da alíquota em 17,5%. Equipe econômica diz que a medida não tem impacto fiscal, ou seja, não aumenta a arrecadação.
▶️Tributação de criptoativos: Com a mudança promovida pelo governo, os ganhos com “criptoativos” serão tributados com uma alíquota de 17,5% a partir do próximo ano. Governo não divulgou uma estimativa de quanto a medida pode arrecadar.
▶️Taxação de “fintechs” (empresas de tecnologia em serviços financeiros) e de cooperativas: aumento será de 9% para um patamar entre 15% (cooperativas) e 20%. Haddad diz que a medida visa corrigir distorções, pois há “fintechs” de grande porte sendo beneficiadas por uma taxação menor. Governo estima arrecadar R$ 1,6 bilhão em 2026.
➡️Limitação de compensações tributárias: governo diz que a MP traz medidas para coibir “compensações abusivas” de crédito tributário. Medida tem a previsão de elevar a arreadação em R$ 10 bilhões no próximo ano.
➡️Pé de meia dentro do piso de educação: medida inclui o pé de meia, cujo objetivo é manter alunos de ensino médio na escola pública, no cálculo para o piso constitucional de investimentos na educação. A medida, que abre espaço no orçamento de R$ 12 bilhões por ano, reduz os recursos disponíveis para outros programas do Ministério da Educação no mesmo valor.
Agenda de cortes de gastos
▶️Enquanto avança no aumento de impostos, a agenda de cortes de gastos estruturais caminha com morosidade. Até o momento, o governo propôs conter os supersalários de servidores e uma reforma da previdência para os militares — mas ambas enfrentam dificuldades no legislativo.
Enquanto isso, economistas apontam que há diversas iniciativas que poderiam ser propostas pelo governo para frear o ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios, incluindo:
Contenção de gastos com servidores, por meio de uma reforma administrativa;
Mudanças nas regras de gastos previdenciários, por meio de uma nova reforma da Previdência ou de medidas que alterem despesas previdenciárias;
Reforma de gastos sociais para fundir as políticas existentes e evitar sobreposição;
Mudanças nas regras do abono salarial e do seguro-desemprego.
Outros, como o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Paulo Bijos, ex-secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, pedem as chamadas “desvinculações”. Como, por exemplo:
Desindexação de benefícios do RGPS e do BPC do salário mínimo: os benefícios previdenciários deixariam de ter aumento acima da inflação, e passariam a ser corrigidos somente pela variação dos preços do ano anterior, ou por até 0,6% ao ano. A economia potencial projetada para a medida em 10 anos (2025-2034) é de R$ 1,1 trilhão sem ganho acima da inflação, ou de R$ 890 bilhões com alta real (acima da inflação) de 0,6% ao ano. Pela regra atual, o salário mínimo, e os benefícios previdenciários, podem crescer até 2,5% ao ano acima da inflação.
Revisão dos pisos da saúde, da educação e do Fundeb: os gastos com saúde e educação deixariam de ser atrelados à receita, formato atual, e passariam a ser corrigidos pela inflação, ou por 0,6% ao ano acima da inflação. O cálculo indica o “ganho” de R$ 97 bilhões a R$ 77,5 bilhões entre 2026 e 2028 – um montante de recursos que a saúde e a educação deixariam de receber neste período.