‘O Brasil não está pagando, eu estou’: importadores de café dos EUA sofrem após 85 dias de tarifaço

‘O Brasil não está pagando, eu estou’: importadores de café dos EUA sofrem após 85 dias de tarifaço


Consumidora olha pacotes de café em supermercado em Union City, Nova Jérsei, nos EUA, em outubro de 2025
REUTERS/Marcelo Teixeira
As empresas norte-americanas que importam café brasileiro reviram seus estoques enquanto torcem por um eventual acordo entre Estados Unidos e Brasil, quase três meses após o tarifaço de 50% entrar em vigor.
O café brasileiro responde tradicionalmente por um terço dos grãos no mercado dos EUA, o maior consumidor da bebida no mundo.
No entanto, após a entrada em vigor do tarifaço, em 6 de agosto, os importadores tiveram que lidar com a alta taxa e procurar alternativas ao produto do Brasil.
Em meio ao imbróglio, a tarifa causou estragos aos EUA, deixando importadores com cargas de café brasileiro paradas, torrefadoras pagando taxa para cancelar entregas e consumidores gastando até 40% a mais em sua bebida matinal, segundo a agência Reuters.
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Steven Walter Thomas, proprietário da importadora norte-americana Lucatelli Coffee, lamentou a tarifa e disse que ela é política, não comercial.
“Não se trata de reciprocidade ou comércio, é punitiva, política e pessoal. É entre Trump e Lula”, disse Thomas à Reuters. “O Brasil não está pagando, eu estou. Eu e meus clientes.”
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Redirecionamento para outros países
Quando Trump impôs a tarifa de 50% sobre o Brasil, ele citou motivações comerciais e também políticas, acusando o Supremo Tribunal Federal de perseguir o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Semanas depois, Bolsonaro foi condenado a 27 anos de prisão pelo STF por sua participação em uma tentativa de golpe de Estado, enquanto Trump e Lula começaram a dialogar.
Os dois presidentes se reuniram no último domingo (26), e Lula se disse otimista pelo fim das tarifas. Trump, por sua vez, afirmou que o encontro foi “muito bom”, mas não garantiu necessariamente um acordo.
Enquanto isso, os estoques de café nos EUA devem atingir níveis mínimos em dezembro, aumentando a pressão sobre as torrefadoras e o setor para encontrarem substitutos a preços que ainda lhes permitam algum lucro.
Algumas importadoras, como a Lucatelli Coffee, decidiram enviar café do Brasil destinado aos EUA para outros países para evitar as tarifas.
A empresa carregou US$ 720 mil do produto brasileiro quando a nova tarifa já estava em vigor. Quando o café chegou, a empresa o levou para um armazém alfandegado na Flórida, onde a carga pode ser mantida temporariamente sem a incidência de impostos de importação.
Mas se a Lucatelli decidir vendê-lo nos EUA, o imposto de importação de 50% será cobrado.
Thomas, cujos clientes incluem cadeias de restaurantes de médio porte, como a Brooklyn Water Bagel Company, da Flórida, disse à Reuters que está enviando parte desse café brasileiro para o Canadá, pagando pesados custos adicionais de transporte, mas evitando a tarifa de 50%.
“É um dilema: esperar e torcer por um acordo comercial ou tomar um banho de sangue na logística para redirecionar o café para fora dos Estados Unidos”, resume.
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Alternativas caras
Várias torrefadoras norte-americanas chegaram a um acordo para cancelar os pedidos de café brasileiro, disse um trader no Brasil que trabalha para um comerciante de café alemão, que pediu para não ter seu nome revelado alegando uma cláusula de privacidade no contrato comercial.
A taxa que tiveram de pagar para cancelar esses negócios, segundo ele, foi de cerca de US$ 20 a US$25 por saca de café de 60 kg, que atualmente vale cerca de US$ 515,00, sem incluir as tarifas.
Com isso, os torrefadores evitaram o pesado imposto de importação de 50% sobre uma carga que custa cerca de US$ 250 mil por contêiner, mas acabaram ficando sem café.
“Temos estoques, mas eles estão se esgotando rapidamente”, disse Michael Kapos, executivo de vendas e marketing da Downeast Coffee Roasters, em Rhode Island, que abastece pequenas e médias cadeias de café e mercearias na Costa Leste dos EUA.
A Downeast Coffee Roasters foi uma das empresas que conseguiu cancelar alguns pedidos, mas não todos.
Os termos do contrato dizem que o comprador é responsável por quaisquer custos adicionais, como tarifas, que tenham sido impostos após o fechamento do negócio. Ambos os lados precisam concordar antes que um contrato possa ser cancelado, o que pode ser difícil se a carga já tiver sido carregada.
A empresa está experimentando outros cafés que poderiam substituir os grãos brasileiros em suas misturas, disse Kapos, mas isso custaria mais caro.
Os preços de alternativas ao café brasileiro, incluindo grãos colombianos, mexicanos ou centro-americanos, subiram até 10% desde que os EUA anunciaram a tarifa em 9 de julho, devido ao aumento da demanda, enquanto os preços dos grãos brasileiros caíram cerca de 5%.
As torrefadoras norte-americanas estão evitando os grãos brasileiros o máximo que podem, disse um negociante de café europeu que trabalha para uma grande trading internacional, que também pediu para não ser identificado.
“Vemos, é claro, menos café saindo do Brasil e indo para os EUA, isso é muito claro, e as torrefadoras estão usando todas as sacas que têm”, disse o comerciante.