Julgamento de Bolsonaro, dia 4: como foi o voto de Fux para absolver o ex-presidente de todos os crimes; placar é de 2 x 1 pela condenação

Fux descarta crime de organização criminosa
O ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quarta-feira (10), quarto dia do julgamento da trama golpista, para absolver o ex-presidente Jair Bolsonaro de todos os crimes. Fux divergiu dos ministros Alexandre de Moraes (relator) e Flávio Dino, e o placar é de 2 x 1 pela condenação.
Faltam os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que devem apresentar seus argumentos nesta quinta-feira (11), a partir das 9h. ACOMPANHE AO VIVO no g1.
Além de votar para absolver Bolsonaro, Fux também defendeu a absolvição do ex-comandante da Marinha Almir Garnier.
No caso de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, e Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, Fux votou para condená-los por um dos crimes – tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Com isso, o STF formou maioria.
Fux defendeu a suspensão da ação contra Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin.
Divergiu de Moraes e Dino ao afirmar que não há golpe de Estado sem a deposição de um governo eleito.
Também divergiu ao rejeitar o crime de organização criminosa, afirmando que não basta um plano criminoso para caracterizar o delito;
Argumentou que golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito configuram, em tese, apenas um único crime;
Declarou a “incompetência absoluta” do STF para julgar a trama golpista e defendeu que o caso deveria ter sido analisado pelo plenário, não pela Primeira Turma;
Fux acolheu a preliminar de cerceamento de defesa por excesso de dados no processo;
E reconheceu a validade da delação de Mauro Cid, formando maioria no STF para manter o acordo firmado com a PGR: 3 x 0.
Entenda os principais pontos do voto de Fux:
O voto de Fux para absolver Bolsonaro
Não há golpe sem deposição de governo, diz Fux
Fux rejeita crime de organização criminosa
Crime de dano qualificado e dano ao patrimônio
‘Incompetência absoluta’ do STF
Suspensão da ação penal de Ramagem
Validação da delação de Mauro Cid
Preliminar de cerceamento de defesa
“Desconfortável e deselegante”
Juiz precisa de distanciamento e imparcialidade, diz Fux
Fux em julgamento da trama golpista em 10 de setembro de 2025
Adriano Machado/Reuters
O voto de Fux para absolver Bolsonaro
Fux votou para absolver Bolsonaro e Garnier de todos os crimes e para condenar Cid por um dos delitos. Ele decidiu apresentar seu voto individualizado.
Jair Bolsonaro: ao votar pela absolvição de Bolsonaro, Fux afirmou que críticas às urnas não configuram crime, minimizou a minuta do golpe e argumentou que Bolsonaro não tinha obrigação de desmobilizar manifestantes.
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abolição violenta do Estado Democrático de Direito: absolver
golpe de Estado: absolver
dano qualificado: absolver
deterioração de patrimônio tombado: absolver
Fux analisou três aspectos em seu voto sobre Bolsonaro: uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar autoridades, discursos e entrevistas contra as urnas e adesão a planos contra autoridades.
No caso da Abin, o software que teria sido usado ilegalmente, segundo Fux, deixou de ser usado em maio de 2021 — antes, portanto, do início dos fatos criminosos apontados pela PGR;
Disse, ao citar os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, que “não configura crime contra o Estado Democrático de Direito a manifestação crítica aos Poderes constitucionais”;
Ao analisar as provas relativas à minuta do golpe, minimizou o documento e disse que “nada saiu do plano da mera cogitação”. Fux disse ainda que a PGR não provou que a minuta foi discutida com o ex-presidente;
O ministro também disse que Bolsonaro não tinha dever nenhum de desmobilizar as manifestações e os acampamentos e que ele não ocupava mais o cargo em 8 de janeiro;
Afirmou que não há nenhuma prova de que o ex-presidente mandou a multidão danificar os prédios públicos: “Falta nexo de causalidade”;
Fux considerou que não há provas de que Bolsonaro soubesse do plano Punhal Verde Amarelo, planejamento para assassinar autoridades como Mores, Lula e Alckmin.
Mauro Cid: a Primeira Turma do STF formou maioria, com o voto de Fux, para condenar o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Nos demais crimes, o placar está em 2 x 1 porque o ministro absolveu o réu.
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Braga Netto: com o voto de Fux, STF formou maioria para condenar o ex-ministro da Casa Civil por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito; nos demais crimes, ele foi absolvido, e o placar é 2 a 1 pela condenação.
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Almir Garnier: Fux vota por absolver o ex-comandante da Marinha de todos os crimes, divergindo totalmente de Moraes e Dino. O placar está em 2 x 1.
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Não há golpe sem deposição de governo, diz Fux
Fux divergiu de Moraes e Dino e afirmou que não há golpe de Estado sem a deposição de um governo legitimamente eleito. Ele também afirmou que um golpe não é fruto de atos individuais.
“Não satisfaz o núcleo do tipo penal o comportamento de turbas desordenadas ou iniciativas esparsas despidas de organização e articulação mínimas para afetar o funcionamento dos poderes constituídos”.
Sobre a abolição do Estado Democrático de Direito, Fux afirmou que a tentativa não pode ser confundida com simples inconformismo diante de uma derrota eleitoral.
“O bem jurídico tutelado pelo artigo 359-L do Código Penal é o Estado Democrático de Direito em sua inteireza — liberdades fundamentais, integridade das eleições, responsabilidade dos poderes públicos, respeito ao devido processo legal, combate à corrupção e à violência. Não se trata de mera irresignação contra resultado eleitoral”, disse.
Ele afirmou também que não configuram crimes “acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações” que consistem em atos políticos com propósitos sociais. Também usou a expressão “choro de perdedor” como outro tipo de comportamento que não deve ser criminalizado.
O ministro argumentou também que nem todo ato preparatório pode ser considerado tentativa de crime e que “ninguém pode ser punido pela cogitação”.
“Dizer enquanto o ato externo seja tal que possa conduzir tanto ao delito como uma ação inocente, não teremos senão um ato preparatório que não pode ser imputado como tentativo”.
Outro ponto de divergência de Fux em relação a Moraes e Dino trata do enquadramento dos réus em dois crimes: golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
Para ele, tais atos configuram, em tese, a prática de apenas um crime porque um “absorve” o outro e a dupla incidência seria equivocada.
“Essa dupla incidência típica dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, no meu modo de ver, revelou-se equivocada. Mesmo em tese, um delito de abolição violenta constitui-se como um meio para a prática de um outro delito, que é o de golpe de Estado. Entendimento esse de vários ministros desta Corte nos votos proferidos nas ações relativas ao dia 8 de janeiro.”
Na terça-feira, em seu voto, Moraes fez questão de ressaltar que há diferença entre os tipos penais e votou para enquadrar Bolsonaro e os sete réus no cometimento dos dois crimes. Para ele:
O crime de golpe de Estado significa agir para destituir à força um governo legitimamente eleito;
O crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito atenta contra as instituições democráticas, como os outros poderes da República, que não o Executivo.
Fux argumentou ainda que várias manifestações no Brasil terminam com depredações, mas não são enquadradas como golpe de Estado, apesar de terem natureza política. Ele citou como exemplos manifestações de black blocs em 2013 e 2014. Naquelas ocasiões, porém, não havia manifestantes reivindicando intervenção das Forças Armadas.
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Fux rejeita crime de organização criminosa
Fux divergiu dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino e rejeitou a configuração do crime de organização criminosa na trama golpista. Ele votou pela “improcedência da acusação” da PGR neste quesito porque, para ele, os crimes se enquadrariam no concurso de pessoas.
“No meu modo de ver, não estão presentes as condições necessárias para classificar a conduta narrada de crime de organização criminosa.”
Ao iniciar a análise sobre o mérito da ação, Fux afirmou que o conceito do crime “não deve ser banalizado”. Para ele, “um mero plano criminoso não basta para caracterizar o crime” de organização criminosa e a imputação exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos.
O ministro fez várias referências ao julgamento do mensalão para fundamentar a distinção entre concurso de pessoas e os crimes de organização ou associação criminosa.
“Como já destaquei, no caso do mensalão, este tribunal concluiu com maioria que a reunião de vários agentes, voltados à prática reiterada de crimes de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional, não preencheria a elementar típica concernente à série indeterminada de crimes. Razão pela qual foram os réus absolvidos dessa imputação de formação de quadrilha”, afirmou Fux.
E citou Celso de Mello, que foi ministro do STF até sua aposentadoria em 2020. Em análise de tipo penal de formação de quadrilha, diz Fux, o antigo decano da Corte já destacava a “indispensabilidade de um vínculo associativo estável e permanente para a caracterização do delito, sendo incompatível com conluios criminosos meramente transitórios.”
Em outro ponto, Fux falou sobre a tipicidade para organização criminosa com emprego de arma de fogo e disse que é necessário usar a arma para configurar o crime.
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Crime de dano qualificado e dano ao patrimônio
Na análise sobre as acusações de dano qualificado e de dano ao patrimônio, Fux afirmou que, de acordo com o princípio da subsidiariedade, um delito “só pode ser considerado se não houver um crime mais grave que o absorva”.
“Como a própria denúncia informa, o intuito era realizar o ganho de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de crime de golpe de Estado. Ou seja, crimes bem mais graves do que o de dano.”
Por essa razão, segundo ele, o dano qualificado seria um meio para a prática dos outros crimes e não se pode acumular o delito em concurso material. A aplicação desse conceito da subsidiariedade, diz Fux, é importante para caracterizar “o verdadeiro mentor” do crime, evitando a impunidade.
Para Fux, não há evidências nos autos de que os réus se omitiram de impedir a vandalização dos bens públicos no dia 8 de janeiro. “Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, tomaram medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos.”
O ministro afirmou que não é possível determinar os danos a que cada réu deverá responder e diz que não se pode reconhecer uma resposta solidária por todos os ocorridos em 8 de janeiro.
“Diante da ausência de individualização das condutas, a responsabilização é absolutamente inviável. Não é cabível uma responsabilidade solidária em condenação penal.”
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‘Incompetência absoluta’ do STF
Para Fux, o STF é incompetente para julgar a ação penal da trama golpista porque não há entre os denunciados “pessoas com prerrogativa de foro”. Ele acolhe a preliminar das defesas dos réus.
“Declaro a incompetência absoluta deste tribunal porque os denunciados haviam perdido os seus cargos. Ao julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados […] Minha primeira preliminar anula o processo por incompetência absoluta.”
Em sua segunda preliminar, Fux defendeu que o caso deveria ter sido julgado pelo plenário do STF, não pela Primeira Turma, já que os denunciados estão sendo processados “como ainda ocupantes de cargo com prerrogativa”.
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Suspensão da ação penal de Ramagem
O ministro defendeu a suspensão dos crimes imputados a Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin e deputado federal, e a respectiva prescrição tanto para os crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio quanto para o crime de organização criminosa.
🔎 Ramagem responde por três crimes (organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado), isso porque a Câmara dos Deputados aprovou um pedido de suspensão parcial da ação penal contra o parlamentar pelos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
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Validação da delação de Mauro Cid
Fux abordou também a preliminar de validade do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
Ele votou para acolher o acordo de delação premiada e os benefícios propostos pela Procuradoria Geral da República, que serão discutidos na dosimetria. Com a decisão, formou-se maioria para manter a delação: 3 a 0.
“O colaborador acabou se autoincriminando. Se não me falha a memória, Vossa Excelência [se dirigindo a Moraes] julgou procedente neste sentido. Me parece desproporcional a anulação dessa delação.”
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Preliminar de cerceamento de defesa
Em seu terceiro ponto, Fux falou sobre a preliminar de cerceamento da defesa. Os advogados alegaram um “tsunami” de dados e pouco tempo para analisá-los. Ele cita 70 terabytes de pastas e arquivos 30 bilhões de páginas.
“Nem acreditei porque são bilhões de páginas e, apenas em 30 de abril de 2025, portanto mais de um mês após receber a denúncia, em menos de 20 dias foi proferida a decisão deferindo a entrega de mídias e dos materiais apreendidos.”
Fux explica o que é o “data dump” no meio jurídico, que é a disponibilização tardia de excesso de dados. “E, como se não bastasse, novos arquivos foram incluídos.”
“Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia”, concluiu Fux sobre a preliminar.
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“Desconfortável e deselegante”
Ao falar sobre a preliminar de cerceamento de defesa, no início de sua argumentação, o ministro disse que está “evitando” citar o nome de colegas. “Acho desconfortável e deselegante.”
Na terça-feira (9), na leitura de seus votos, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino mencionaram o nome de Fux algumas vezes.
Apesar dessa ressalva, após três horas de voto, Fux citou o ministro Dias Toffoli. “Quando é ilustre, é bom mencionar”, disse o ministro.
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Juiz precisa de distanciamento e imparcialidade, diz Fux
Logo no início do seu voto, Fux defendeu que o papel do juiz deve ser marcado por imparcialidade, “objetividade técnica” e “minimalismo técnico”.
“Trata-se de missão [do STF] que exige objetividade técnica e minimalismo interpretativo a fim de não confundir o papel do julgador com o de agente político”.
O ministro disse em seguida que não se pode confundir o papel de juiz com o de um “agente político”.
“A Constituição da República, ao mesmo tempo que confere a este Supremo Tribunal Federal a posição de guardião da ordem constitucional, delimita de forma precisa e restrita as hipóteses que nos cabe atuar originariamente no processo penal.”
Ao falar sobre a atuação da Corte em processos criminais, destacou que o STF também conduz julgamentos para garantir a cada réu “a plenitude do contraditório e da ampla defesa”.
“Condenar quando houver certeza e o mais importante a humildade para absolver quando houver dúvida”.
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