Juiz investigado por mandar soltar condenado que destruiu relógio em 8 de janeiro diz que ‘cometeu equívoco’

Magistrado de Uberlândia disse à Polícia Federal que decisão foi motivada por equívoco no sistema eletrônico. g1 aguarda retorno da Vara de Execuções Penais e do TJMG sobre a investigação. Investigação ocorre após decisão da comarca de Uberlândia conceder alvará de soltura ao condenado Antônio Cláudio Alves
Divulgação
O juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, investigado por ordem do ministro Alexandre de Moraes por ter soltado o condenado por destruir o relógio histórico do Palácio do Planalto durante os atos golpistas de 8 de janeiro, foi ouvido pela Polícia Federal na segunda-feira (23). No depoimento, o magistrado disse que ‘cometeu um equívoco’ e atribuiu o erro a uma falha no sistema eletrônico da Vara de Execuções Penais (VEP) de Uberlândia. As informações são da Agência Brasil.
O g1 procurou o magistrado por meio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e da Vara de Execuções Penais da comarca e aguarda retorno.
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O mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira foi solto, sem tornozeleira eletrônica, após receber alvará do Fórum de Uberlândia, em decisão assinada por Migliorini. Ao saber da soltura, Moraes, que é relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), mandou prender novamente o condenado e ordenou que a conduta do juiz fosse investigada. Antônio Cláudio voltou à prisão na noite da última sexta-feira (20).
Juiz prestou depoimento à Polícia Federal
Durante depoimento à Polícia Federal, o magistrado afirmou que a liberação do réu foi resultado de um equívoco no sistema eletrônico, que cadastrou o processo como se fosse de competência da vara onde atua. Segundo ele, o erro o levou a acreditar que o caso estava sob sua jurisdição.
“O magistrado classificou tal equívoco como lamentável e afirmou que o erro cadastral o levou a crer que estaria atuando em um processo de sua competência, caso contrário, jamais teria decidido”, diz trecho do depoimento.
Além disso, o juiz negou qualquer intenção de afrontar o STF. “O magistrado reforça que nunca teve intenção de afrontar de usurpar a competência de quem quer que seja, de tribunal de justiça ou de tribunal superior. Reiterou, por fim, que respeita todas as instituições e que jamais teria decidido se soubesse que a competência não era sua”, diz outro trecho do documento.
A reportagem entrou em contato com a PF para mais detalhes sobre a investigação e aguarda resposta.
Justiça determinou que preso não poderia sair de casa
Na decisão para progressão de regime ao semiaberto, o juiz de Uberlândia levou em consideração que Antônio cumpriu a fração necessária de pena imposta no regime semiaberto, ser réu primário, ter boa conduta carcerária e a ausência de faltas graves.
O magistrado também estabeleceu uma série de condições para o benefício. Entre elas, estão:
Permanecer em casa em tempo integral, exclusivamente em Uberlândia;
Não sair da residência até autorização para trabalho externo;
Comparecer ao Presídio Jacy de Assis ou à Vara de Execuções Penais sempre que solicitado;
Fornecer material genético para banco de dados nacional;
Apresentar comprovante de endereço atualizado em até 10 dias;
Manter endereço e telefone atualizados;
Após instalação da tornozeleira, não violar, remover ou danificar o equipamento.
Com a determinação do STF, a PF cumpriu o novo mandado de prisão contra Antônio Cláudio três dias após ele ser solto e ir para o regime semiaberto. O homem voltou para o Presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, por volta das 22h.
A defesa de Ferreira não foi encontrada para comentar a nova prisão e o retorno ao regime fechado.
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Natural de Catalão (GO), Antônio Cláudio foi preso em Uberlândia em janeiro de 2023 após permanecer foragido por cerca de duas semanas. Desde então, estava detido em cela individual de 6 metros quadrados na ala F do presídio.
Fontes do sistema prisional o classificaram como preso “tranquilo”, com rotina regular, quatro refeições diárias, banho de sol e direito a visitas.
Condenado pelo STF a 17 anos de prisão
O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Antônio Cláudio a 17 anos de prisão por cinco crimes:
abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é prisão, de 4 a 12 anos.
associação criminosa armada: ocorre quando há a associação de três ou mais pessoas, com o intuito de cometer crimes. A pena inicial varia de um a três anos de prisão, mas o MP propõe a aplicação do aumento de pena até a metade, previsto na legislação, por haver o emprego de armas.
dano qualificado: ocorre quando a pessoa destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia. Neste caso, a pena é maior porque houve violência, grave ameaça, uso de substância inflamável. Além disso, foi cometido contra o patrimônio da União e com “considerável prejuízo para a vítima”. A pena é de seis meses a três anos.
deterioração de patrimônio tombado: é a conduta de “destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial”. O condenado pode ter que cumprir pena de um a três anos de prisão.
Além disso, ele foi condenado ao pagamento de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.
Flagrado destruindo relógio histórico
A prisão de Antônio ocorreu no dia 23 de janeiro de 2023. Ele foi levado à delegacia da Polícia Federal em Uberlândia e, no dia seguinte, transferido para o presídio.
Durante o depoimento, preferiu ficar em silêncio. Câmeras de segurança registraram seu carro circulando por Catalão dez dias após os atos.
Ele foi detido no bairro Saraiva, a cerca de 3,5 km da sede da PF em Uberlândia, sem oferecer resistência.
O relógio destruído por ele foi um presente da Corte Francesa para Dom João VI, confeccionado por Balthazar Martinot, relojoeiro do rei Luís XIV. Após restauração em parceria com o governo da Suíça, a peça foi reintegrada ao acervo da Presidência da República.
Relógio de pêndulo do Século XVII, presente da Corte Francesa para Dom João VI.
Reprodução
O que disse a Justiça
“Após análise do processo, o magistrado identificou que Antônio Cláudio Alves Ferreira fazia jus à progressão do regime, visto que cumpriu a fração necessária de pena imposta, conforme se extrai do cálculo de liquidação de penas. Além disso, o magistrado constatou que não se tinha notícia de falta grave registrada recentemente e que o atestado carcerário de Antônio Cláudio Alves Ferreira noticiava boa conduta carcerária. Assim, o juiz entendeu que o reeducando encontrava-se apto à reinserção social, devendo, por isto, ser-lhe concedida a progressão do regime do fechado para o semiaberto.
Como a comarca não possui albergue para o cumprimento do regime estabelecido, foi concedida a progressão para o regime semiaberto com tornozeleira eletrônica para Antônio Cláudio Alves Ferreira. Contudo, como não há tornozeleiras disponíveis no Estado e não há data prevista para a regularização desse cenário, o magistrado determinou o imediato cumprimento do alvará de soltura sem o uso da tornozeleira, devendo a unidade prisional incluir o reeducando na lista de espera para a inclusão do equipamento eletrônico, assim que o equipamento estiver disponível.
O magistrado também estabeleceu algumas medidas, como a de que Antônio Cláudio Alves Ferreira permaneça em sua própria residência, em período integral, exclusivamente na cidade de Uberlândia, até a apresentação e liberação de proposta de trabalho junto à unidade prisional, não podendo se ausentar em nenhuma hipótese. O reeducando também deverá comparecer ao presídio Jacy de Assis ou à Vara de Execuções Penais sempre que solicitado, entre outras medidas.
A certidão de cumprimento do alvará de soltura foi anexada ao processo em 18/06/2025″.
O que disse a Sejusp
“Informamos que não procede a informação sobre suposta falta de tornozeleiras em Minas Gerais.
O contrato do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) com a empresa fornecedora prevê 12.933 vagas no sistema de monitoração eletrônica. Hoje, 8.820 vagas estão ativas, ou seja, com equipamentos em utilização. Portanto, há mais de 4.000 vagas ainda a serem preenchidas.
Quanto ao caso específico de Antônio Cláudio Alves Ferreira, esclarecemos que consta na decisão judicial , do próprio juízo da comarca, que caso o indivíduo apresente endereço diverso da comarca em que se encontra há a possibilidade de soltura sem monitoramento, somente com prisão domiciliar e os autos são remetidos à comarca de origem; que é o caso de Antônio Cláudio.
Desta forma, há um prazo legal de 60 dias para que ele providencie o endereço na comarca de Uberlândia e compareça ao Núcleo Regional de Monitoramento Eletrônico para colocar a tornozeleira.
Em tempo, informamos que Antônio Cláudio Alves Ferreira já está com agendamento realizado para os próximos dias.”
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Antônio Cláudio voltou ao presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia, três dias após soltura
Michele Ferreira/TV Integração
Câmeras de segurança do Palácio do Planalto flagraram homem danificando o Relógio Balthazar Martinot, também conhecido como Relógio de Dom João VI.
Reprodução/TV Globo
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