Em meio à crise nos Correios, transportadoras cobram na Justiça R$ 104 milhões por repasses em atraso

Ao menos 41 empresas questionam atrasos da estatal. Ausência de pagamentos tem atrasado entregas de encomendas pelo país. Os Correios enfrentam uma das piores crises financeiras de sua história. Além de terem o pior começo de ano desde 2017 e sucessivos prejuízos contábeis, a estatal enfrenta mais um desafio: transportadoras estão cobrando na Justiça R$ 104 milhões em faturas atrasadas.
O valor foi calculado pelo g1 a partir de um levantamento dos processos protocolados na Justiça Federal pelas empresas que prestam serviço para transportar encomendas enviadas diariamente pelos Correios.
Ao todo, a reportagem teve acesso a processos 58 de 41 empresas que tramitam desde abril de 2025.
Agência dos Correios
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Uma pessoa ligada às empresas, ouvida pelo g1, apontou que apesar dos atrasos nos pagamentos acontecerem desde fevereiro, as empresas esperaram para processar a estatal na expectativa de que os problemas fossem solucionados antes.
Parte dessas empresas até assinaram, em março, duas cartas públicas informando que a partir de 1º de abril fariam paralisação na prestação dos serviços de transporte de cargas para os Correios.
Mesmo assim os pagamentos não foram regularizados.
Em geral, dentre os pedidos feitos as empresas fazem dois pedidos:
Quitação das faturas em atraso;
Suspensão da cláusula do contrato que penaliza as transportadoras que paralisarem as operações.
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Em boa parte das decisões proferidas pela Justiça Federal, as empresas conseguiram efeito suspensivo que os permitiram realizar as paralisações e também a cobrança dos pagamentos.
Entretanto, a regularização dos pagamentos ainda não foi realizada. Em nota, os Correios informaram que tentam resolver “eventuais pendências”.
“A empresa segue realizando pagamentos graduais e em contato com os parceiros logísticos para resolver pontualmente eventuais pendências, assegurando a continuidade das operações”, afirmou a estatal.
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Quem questiona
Ao todo, o g1 analisou todas as empresas que assinaram as cartas públicas aos Correios e outras que apareceram nas buscas com processos ativos contra a estatal. Foram 79 empresas terceirizadas.
Os pedidos na Justiça apontam valores em atraso que variam de R$ 80 mil a R$ 34 milhões. Em média, as faturas cobradas giram em torno de R$ 2,5 milhões.
Em alguns casos os Correios atualizaram os valores em aberto, como no caso do processo da empresa Transpanorama, que em um mês viu as faturas em aberto saltarem de R$ 5,9 milhões para R$ 29 milhões.
Dentre os processos analisados, o que apresenta maior valor de fatura em atraso é a Sideral Linhas Aéreas, que realiza voos por todo o Brasil para levar encomendas pelo país. Ela é uma das empresas que faz a entrega de cartas via SEDEX.
A Sideral possui quatro contratos com os Correios que somados totalizam R$ 390 milhões em serviços prestados de transporte aéreo entre as cidades de Manaus, Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador, São Paulo e Belo Horizonte.
Na petição inicial realizada pela empresa, em 15 de maio, a empresa apontou um atraso de R$ 34 milhões nos pagamentos por parte dos Correios.
“Os atrasos nos pagamentos vêm sufocando o fluxo de caixa da impetrante que se vê obrigada a manter a regularidade contratual, tendo que bancar despesas que normalmente são cobertas com o ‘giro’ do fluxo de pagamentos”, justificou a defesa da Sideral na petição inicial.
Dentre os 41 pedidos, 31 foram deliberados por juízes federais. Desses, 32% acataram totalmente os pedidos das empresas, tanto do pagamento do que está atrasado quanto da suspensão de multa em caso de paralisação das empresas.
Outros 23% dos pedidos, ou em sete casos, a Justiça acatou parcialmente o pedido das empresas, apenas suspendendo a cláusula que prevê penalidade para as paralisações.
Em outros cinco casos, os juízes apontaram que o pedido não competia àquela comarca. E um juiz decidiu só se manifestar sobre o caso após pronunciamento dos Correios.
Em 8 casos os pedidos de tutela de urgência, para os pedidos de suspensão da multa e pagamento das faturas atrasadas foi indeferido.
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Justificativa dos Correios
Em todos os processos, os Correios justificaram que existe uma cláusula nos contratos assinados com as transportadoras que preveem a possibilidade do atraso de pagamento pelo serviço prestado.
Nele, a estatal justifica que em caso de atraso no pagamento, a transportadora será indenizada com juros e multa sobre o valor em aberto, e que isso seria o suficiente para a atual situação. E ainda pondera que os atrasos estão acontecendo com todos os fornecedores.
“Consoante já demonstrado na Contestação, a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) passa por momento sensível em suas finanças que está impactando a regularidade dos cronogramas de pagamentos de todos os fornecedores”, justifica os advogados dos Correios.
Entretanto, as empresas justificam que em função dos volumes dos contratos, de milhões de reais, a ausência de pagamento afeta a manutenção dos trabalhos, uma vez que parte das frotas utilizadas são financiadas, além dos gastos com pessoal.
“Há meses não somente a peticionária, mas centenas de empresas transportadoras estão custeando, sozinhas, a operação de transporte de cargas postais para os Correios e, os atrasos chegaram ao extremo de cumular dois pagamentos, transformando a operação que, antes, era de 60 (sessenta dias), já em noventa dias de atraso”, rebateu Chrystian Pereira, advogado de uma das transportadoras, na petição protocolada em 14 de abril.
Atrasos nas entregas
Efetivamente, as paralisações prometidas pelas empresas aconteceram a partir de abril e as reclamações de atraso na entrega de encomendas aumentaram nas redes sociais.
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Para não haver uma paralisação completa na prestação dos serviços, as empresas diminuíram a quantidade de veículos para fazer o transporte das encomendas, o que resultou em atraso.
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Em outro trecho da petição inicial feita por um dos advogados de defesa das transportadoras, eles ainda justificam que a ausência de pagamentos por parte dos Correios acabou com o dinheiro em caixa das empresas, que sequer estavam conseguindo pagar os pedágios existentes nas estradas.
“A situação é preocupante, pois a peticionária não possui condições de, sequer, colocar os caminhões para rodar”, afirmou Chrystian Pereira.
Por outro lado, em nota, os Correios justificaram que a prestação de serviços de transportes tem obedecido os percentuais mínimos exigidos.
“A prestação dos serviços de transporte nos Correios ocorre dentro da normalidade, observando os percentuais de linhas necessários para atender as rotas nacionais, regionais e urbanas”, justificou a estatal.
Presidente pediu demissão
Na última sexta-feira (4), o presidente dos Correios, Fabiano Silva, entregou uma carta de demissão no Palácio do Planalto, para auxiliares de Lula.
Interlocutores informaram que a demissão só deverá ser oficializada após uma conversa entre Fabiano e o próprio presidente.
Aliados do presidente dos Correios afirmam que a permanência dele ficou insustentável por conta de uma suposta pressão do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), pela troca na presidência da estatal.