Dino rebate defesa de Bolsonaro e diz que atos preparatórios já expõem democracia a perigo

Dino rebate defesa de Bolsonaro e diz que atos preparatórios já expõem democracia a perigo


Flávio Dino será o segundo a votar no julgamento de Bolsonaro no STF
Rosinei Coutinho/STF
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), rebateu nesta terça-feira (9) tese da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e afirmou que atos preparatórios, no contexto da trama golpista, já são suficientes para expor o estado democrático de direito ao perigo.
Dino deu as declarações ao votar no julgamento sobre o núcleo crucial da trama golpista, composto por Bolsonaro e outros sete réus. Indicado por Lula ao STF, o ex-governador do Maranhão e ex-ministro da Justiça foi o segundo a se manifestar na sessão da Primeira Turma do STF.
Na semana passada, ao apresentar alegações no julgamento, a defesa de Bolsonaro afirmou que as reuniões e lives realizadas pelo ex-presidente eram meros atos preparatórios sem violência ou grave ameaça.
Os advogados de Bolsonaro recorreram a essa argumentação para questionar o enquadramento das condutas do político do PL nos crimes de golpe de Estado e de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, que exigem a ocorrência de violência ou grave ameaça para serem configurados, segundo o Código Penal.
E também porque o Código Penal não permite a punição quando há apenas atos preparatórios, preliminares, de organização de um crime, que não estejam descritos como infração penal.
Nesta terça, Flávio Dino dedicou alguns minutos para abordar a diferença entre atos preparatórios e atos executórios e por que esse tema merece especial atenção no julgamento sobre a tentativa de golpe.
Para o magistrado e boa parte da doutrina, a diferenciação objetiva feita pelo Código Penal “não é suficiente” para se enfrentar os diferentes tipos de crime previstos na legislação.
No julgamento, o ministro disse entender que o que deve ser considerado nesses casos é o critério do risco ao que se quer proteger com a lei penal, posição adotada pela jurisprudência no Brasil.
Nesse ponto, Dino relembrou o caso de um furto, no qual o proprietário de uma casa, ao chegar à residência, deparou-se com um estranho no local, que não tinha em suas mãos nenhum objeto.
“Ou seja, ele não realizou o núcleo do tipo [que, no furto, é o de subtrair coisa alheia móvel]. Ele não realizou, estava lá, mas não realizou”, disse Dino.
Esse caso mencionado pelo ministro chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entende que, embora a subtração do item não tenha sido efetivamente iniciada, o risco ao patrimônio de quem teve a casa invadida já é suficiente para configurar atos periféricos claramente ligados ao crime de furto.
“Os atos externados na conduta do agente [o ladrão] ultrapassaram meros atos de cogitação ou preparação. E, de fato, expuseram a perigo real um bem protegido [pela lei penal]” , declarou.
Nesse momento, Dino até cita trecho da obra do advogado Cezar Bitencourt – que defende Mauro Cid no julgamento da trama golpista – que diz que “existem atos tão próximos e quase indissociáveis do tipo que merecem ser tipificados”.
“Esse precedente do STJ se presta a justificar por que não considero que nós tivemos, no caso [da trama golpsista], meros atos de preparação, mas, sim, atos executórios. Seja porque houve materialmente o início da execução do núcleo dos tipos, sob a forma tentar, consumação antecipada, não existe tentativa de crime de empreendimento. E porque houve esse risco em relação a todas as condutas”, afirmou Dino.
“Há um encadeamento entre atos preparatórios que já são atos executórios. E foi isso que, a meu ver, está demonstrado nos autos [do processo]. Porque os atos preparatórios já expõem o estado democrático de direito a gravíssimo perigo”, conclui o magistrado.
Golpe de Estado
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Os crimes de abolição violenta do estado democrático de direito e de Golpe de Estado estão previstos, respectivamente, nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.
Pela lei, configura abolição violenta do estado democrático: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de reclusão
Já o Golpe de Estado fica configurado quando alguém “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Nesse caso, a punição é de 4 a 12 anos de reclusão.
Portanto, na descrição dos dois crimes, no Código Penal, aparece o verbo “tentar”. Isso ocorre porque, na prática, caso esses crimes sejam consumados, uma nova ordem jurídica estará estabelecida, com aqueles que praticaram no poder.