De personalidades a deputados e investigadores do caso Marielle: veja lista de monitorados pela Abin Paralela, segundo a PF

Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tirou o sigilo do relatório nesta quarta. Segundo a PF, o esquema era feito para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. O relatório final da Polícia Federal sobre a investigação que apura um monitoramento ilegal de autoridades pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontou o uso de ferramentas do órgão para espionar uma série de personalidades, como deputados, investigadores e até caminhoneiros.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tirou o sigilo do relatório nesta quarta (18). A PF indiciou mais de 30 pessoas. Para os investigadores, a Abin foi utilizada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro para fins políticos e pessoais.
A lista de indiciados entregue ao STF inclui o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, o ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem — ambos do PL — e o do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa.
O esquema de monitoramento irregular ficou conhecido como Abin paralela e mirou também jornalistas. Um dos métodos utilizados para a espionagem irregular era o monitoramento por meio de um software israelense chamado “First Mile”.
A tecnologia, da empresa israelense Cognyte (ex-Verint), foi comprada pelo governo brasileiro e usava GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, jornalistas e até mesmo juízes.
PF afirma que Jair e Carlos Bolsonaro integravam núcleo da ‘Abin paralela’
Monitoramento político
O relatório da Polícia Federal atribui a Ramagem o ordenamento do uso do programa “First Mile” para monitorar ilegalmente adversários políticos e críticos do governo.
Segundo a PF, o esquema era feito para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Entre os pedidos diretos de Ramagem, estão o monitoramento e ações que buscavam “caçar os podres” de Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara e da então deputada Joice Hasselmann, antiga aliada de Bolsonaro que passou a desafeto do ex-presidente.
A PF também aponta que foram alvo de “dossiês” da Abin:
Alexandre de Mores, ministro do STF;
Luis Roberto Barroso, presidente do STF;
deputado Kim Kataguiri (União-SP);
deputado Arthur Lira (PP-AL);
senador Renan Calheiros (MDB-AL);
senador Omar Aziz (PSD-AM);
-senador Randolfe Rodrigues;
De acordo com o inquérito, o pedido de monitoramento dessas autoridades partiu da presidência da República e “comprova o viés precipuamente político da ação clandestina”.
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Caso Marielle
Outra utilização feita da Abin foi para o monitoramento do homicídio da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, assassinada em 2018.
Em 2020, quando a Polícia Civíl carioca trocou o delegado do caso, o então diretor-geral, Alexandre Ramagem, pediu para que a equipe fizesse um dossiê sobre o novo delegado, Daniel Freitas da Rosa.
A agência também foi usada para monitorar Simone Sibilio, ex-coordenadora da força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.
De acordo com o inquérito, o monitoramento da investigação ocorreu para antecipar eventuais referências que indevidamente vinculassem ao Núcleo Político que comandava a agência.
Caso Adélio Bispo
Já em março de 2022, Ramagem pediu para Marcelo Bormevet analisar todos os dados disponíveis sobre o caso de Adélio Bispo, que tentou matar o ex-presidente Bolsonaro.
“Coisa simples. Como está agora. Em que ponto relatoria, quebras, etc. Acredito que tenha tudo em fonte aberta. Preciso saber a condição dele no sistema prisional, onde está. Há quanto tempo. A quebra do tel de advogados. Para hoje à noite”, diz o pedido.
Em um dos documentos encontrados sob posse de Ramagem, ele relata o desejo de interferir na Polícia Federal para modificar os rumos da investigação sobre o caso.
“Coloquei na PF a linha de que essa investigação tem que ser toda verificada desde o início. Correição permite. Passei ao Corregedor-Geral. Estou esperando a resposta. Eu cobro, mas não anda”, redigiu o deputado em nota.
Monitoramento de personalidades
O ex-deputado Jean Wyllis
Isabela Marinho / G1
O ex-deputado Jean Wyllys e o humorista Gregório Duvivier também foram monitorados a pedido da presidência, o que se comprova a partir de uma troca de mensagens de Giancarlo, que estava fisicamente no GSI no momento.
“Fala, amigão. Eles são muito ariscos. Trocam de chip a todo instante. Mas consegui um número que o Jean usou para baixar o Telegram. O DDD era do Cear. Já deve ter mudado, mas pode ser um bom ponto de partida. Podemos puxar o CPF dessa linha e ver se habilitaram outros telefones nele. Ele também tem o site e o Instagram. Estou em cima. Parece que estão usando Signal”, afirmou um dos agentes.
A tentativa de identificar a localização de Jean Wyllys ainda em 2019, nos primeiros meses de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entretanto, ela não foi efetiva, porque o ex-deputado federal estava nos Estados Unidos e o contrato para uso do First Mile impede que o programa seja usado para monitoramento no país ou em Israel, mas libera para o restante do mundo.
Após a tentativa frustrada, os agentes partiram para investigar familiares de Wyllys, como uma de suas irmãs.
Outro nome investigado foi o do humorista Gregório Duvivier, que tinha um programa que criticava a “difusão de desinformação do antigo governo”.
“Quero ver se será tão machão perante o juiz, Gregógio Duvivier. A Hydra já pegou seus dados e mandou às pessoas competentes”, afirmou o perfil de um dos denunciados pelo inquérito, Richards Pozzer.
Monitoramento de jornalistas
O programa também foi usado para monitorar jornalistas que atuavam investigando a atuação do governo e tentavam escancarar a existência do gabinete paralelo, como o caso da jornalista Luiza Alves Bandeira.
Outro jornalista monitorado, Pedro Cesar, virou alvo da Abin por ser um dos responsáveis pelo ato “Fora Bolsonaro”.
A PF aponta ainda o monitoramento dos jornalistas Vera Magalhães, Luiza Bandeira, Pedro Batista, Reinaldo Azevedo e Alice Martins de Costa Maciel, que segundo os agentes é uma “jornalista left” responsável por fazer trabalhos investigativos.
Renan Bolsonaro
Jair Renan Bolsonaro foi eleito vereador em Balneário Camboriú
Divulgação
A Abin também foi utilizada, de forma clandestina, para interferir nas investigações da Polícia Federal contra o filho do ex-presidente.
Além disso, a agência recebeu um pedido para “caçar podre” de Allan Gustavo Lucena do Norte, ex-sócio e personal trainer de Jair Renan Bolsonaro, o filho 04.
Os agentes chegaram, até, a fazer vigilância do ex-sócio, que desconfiou da movimentação e chamou a Polícia Militar, que deteve um dos agentes, que acabou fugindo para não ser levado à Polícia Civil.
“A determinação da diligência partiu do Palácio do Planalto, na figura do Gabinete de Segurança Institucional e foi realizada diretamente pelos policiais federais cedidos, que respondiam diretamente ao Diretor-Geral, sem a participação de servidores orgânicos”, afirmou o inquérito.
A ação frustrada acabou resultando num relatório de inteligência da agência, que acabou sendo ignorado por ser “pobre de conteúdo” e “desnecessário”, já que não atendeu aos interesses naturais da Abin.