Controles do INSS para evitar descontos irregulares são ‘frágeis’ e ‘meramente formais’, aponta auditoria da CGU

Controles do INSS para evitar descontos irregulares são ‘frágeis’ e ‘meramente formais’, aponta auditoria da CGU


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Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) afirma que eram “frágeis” e “meramente formais” os mecanismos de controle adotados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para evitar fraudes em descontos feitos por entidades associativas na folha de pagamento de aposentados e pensionistas.
➡️Segundo uma investigação da Polícia Federal, associações e entidades que oferecem serviços a aposentados cadastravam pessoas sem autorização, com assinaturas falsas, para descontar mensalidades dos benefícios pagos pelo INSS. O prejuízo entre os anos de 2019 e 2024 pode chegar a R$ 6,3 bilhões.
Quando o caso veio à tona, em abril, o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi demitido. Nesta sexta-feira (12) a Polícia Federal prendeu Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como o “Careca do INSS”, e o empresário Maurício Camisotti, suspeitos de envolvimento nas fraudes do INSS.
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Jornal Nacional/ Reprodução
Entre outras coisas, a auditoria da CGU, divulgada em 2 de setembro, avaliou os Acordos de Cooperação Técnica (ACT) celebrados entre o INSS e as entidades associativas, para saber como era feito o acompanhamento e a fiscalização da execução.
A CGU analisou uma amostra de doze processos de ACTs celebrados entre 2020 a 2024. A conclusão do relatório aponta:
Fragilidade dos controles adotados pelo INSS na celebração de parcerias com as entidades. Esses controles eram “meramente formais”;
Não adoção, por parte da alta administração do INSS, de medidas efetivas e imediatas para reduzir os riscos de fraudes, mesmo tendo acesso a informações de diversas fontes que sinalizavam a ocorrência de descontos irregulares;
Autorização para que entidades utilizassem tecnologia própria de biometria, ignorando manifestação da Dataprev, empresa pública que desenvolve tecnologias para os órgãos governamentais.
As soluções de tecnologias indicadas pelas próprias entidades não atendiam aos requisitos necessários para evitar fraudes, segundo a CGU. Contrariando normas e requisitos previstos pela Dataprev, a autorização foi concedida pelo então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, em maio de 2024. Ele atendeu ao pedido das associações.
“O INSS assumiu o risco de as entidades realizarem novas averbações sem a devida autorização dos beneficiários”, diz o relatório em sua conclusão.
O risco se materializou, segundo a CGU: 97% dos termos de adesão aos descontos, analisados na auditoria, foram produzidos a partir das soluções adotadas pelas entidades e não tinham validação biométrica com base em dados de órgãos governamentais. Esse era um dos requisitos técnicos estabelecidos pela Dataprev.
Recomendações da CGU devem ser cumpridas até dezembro
A partir das conclusões da auditoria, a CGU fez oito recomendações ao INSS, que devem ser cumpridas até dezembro de 2025.
Estudar a criação de um banco de registros biométricos para segurados do INSS que não possuem biometria em outros órgãos do governo;
Reavaliar se o ACT é o mecanismo apropriado, considerando que há repasse de recursos do INSS para as entidades associativas;
No caso de celebração de acordos, fazer análises mais robustas, seguindo a lei e as regulamentações vigentes;
Revisar acordos suspensos e evitar retomar parcerias com entidades sem capacidade de atendimento;
Revalidar todas as autorizações de descontos, usando ferramenta da Dataprev para cancelar os que não forem confirmados;
Retirar a possibilidade de desconto autorizado apenas com documento e biometria por similaridade;
Aperfeiçoar monitoramento, fiscalização e aplicação de penalidades nos acordos com as entidades;
Calcular despesas e prever fonte de custeio com gestão e auditorias dos acordos.
Em junho, o INSS informou uma série de medidas que vem adotando após os apontamentos da CGU. A suspensão de acordos e a devolução dos valores descontados indevidamente estão entre elas.
Acordos celebrados apenas com “informações declaratórias”
Segundo a CGU, em 92% dos processos analisados, o INSS considerou suficiente para a realização do acordo com a entidade apenas a previsão em estatuto de que a associação representava aposentados ou pensionistas.
Em muitos casos, porém, a auditoria identificou alterações nos estatutos em datas próximas aos pedidos de celebração do acordo. Para a CGU, isso indica uma prática de adequação apenas para viabilizar a autorização dos descontos.
O relatório também identificou que o INSS adotava procedimentos frágeis para avaliar a capacidade técnica e operacional das associações, considerando apenas “informações declaratórias, ou seja, produzidas e prestadas diretamente pela própria entidade ou obtidas a partir dos seus sites na internet”.
INSS fazia “checagem básica de assinaturas” e ignorou alertas
A fiscalização dos acordos, segundo a CGU, também era insuficiente. Isso foi constatado a partir da análise dos processos instaurados pelo INSS em 2023 e 2024.
“A atuação do Instituto se limitava à verificação sobre a existência da documentação que legitimaria o desconto para cada beneficiário e em relação à completude dos dados informados, complementada por uma checagem básica de assinaturas”, diz o relatório.
Nas fiscalizações iniciadas entre dezembro de 2023 e abril de 2024, a amostra de beneficiários considerada pelo INSS para checar a documentação era definida pela própria entidade interessada.
“Essa fragilidade somente foi contornada a partir das fiscalizações instauradas em dezembro de 2024, cinco meses após a CGU ter recomendado a utilização de amostra com seleção efetuada pelo próprio INSS em avaliação de conformidade documental”, aponta o relatório.
Por fim, a CGU identificou que o INSS ignorou diversos alertas que estavam disponíveis em sistemas do próprio Instituto e da Dataprev. As informações sinalizavam problemas na execução dos acordos, mas não eram utilizadas para “mitigar, de forma tempestiva, inclusões indevidas de descontos de mensalidades associativas na folha de pagamento”.
Além disso, o INSS ignorou o aumento significativo na quantidade de demandas por serviços de exclusão de descontos. A média mensal subiu de 4.373 pedidos em 2021 para 114.685 em 2024.
Já os pedidos de desbloqueio de descontos subiu de 2.711 em 2022 para 72.890 em 2024, enquanto as solicitações de inclusão de descontos apresentados pelas entidades, aumentou de 100 mil em outubro de 2021 para 1,8 milhão em março de 2024. Segundo a CGU, todos esses alertas “poderiam ter subsidiado ações de fiscalização”.
Medidas adotadas pelo INSS
Em junho, o INSS informou à CGU que criou uma ferramenta que permite ao segurado confirmar previamente a autorização para desconto em folha de pagamento. Desde março, essa passou a ser a única forma de inclusão da cobrança.
Além disso, os acordos com as entidades foram suspensos e só poderão ser retomados após a conclusão das investigações e o ressarcimento dos segurados.
Para garantir a devolução dos valores descontados indevidamente, o INSS desenvolveu uma funcionalidade de consulta e registro de cobranças irregulares pelo aplicativo Meu INSS, pela Central 135 ou em agências dos Correios.
Também foram iniciadas investigações das entidades e dos agentes públicos envolvidos na fraude.