Traduzindo o julgamento: o que é o ‘data dump’, citado por Fux para discordar de Moraes e Dino sobre a violação à ampla defesa?
Fux elogia Moraes, mas questiona tempo para as defesas que receberam um ‘tsunami de dados’
Luiz Fux, em seu voto, concordou com as defesas em entender que existiu violação à ampla defesa em razão da disponibilização de uma quantidade muito grande de dados usados na investigação sem o devido tempo para sua análise.
O termo usado para descrever o fato, “data dump”, diz respeito à entrega de uma grande quantidade de dados de maneira não estruturada, o que traz desafios à defesa na hora de examinar o material arrecadado em uma investigação.
Isso, nos últimos anos, vem trazendo cada vez mais discussões, pois investigações minimamente elaboradas de crimes acabam envolvendo a quebra de sigilo de “nuvens” de dados, de aparelhos de telefone celular, e-mail e outras fontes que geram uma quantidade muito grande de informações.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem jurisprudência, que transformou em uma “Súmula Vinculante”, que determina que deve ser dado acesso à integralidade do material das investigações em andamento – com exceção apenas às medidas investigativas sigilosas, como uma escuta telefônica que esteja ainda sendo realizada.
Cabe analisar, porém, se o modo como é entregue esse material integral é suficiente para garantir a ampla defesa, garantia constitucional que exige que seja dada a oportunidade de que a outra parte examine esse conjunto de provas.
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que todo material que foi usado pelo Ministério Público sempre esteve à disposição. Argumentou ainda que, apesar de o acesso integral ter sido dado há alguns meses, nada teria sido acrescentado pelas defesas com base no que existe.
O ministro Fux, em seu voto, opôs-se à conclusão do relator afirmando que não cabe ao Juiz ou à acusação determinar o que seria de interesse da defesa, e que teria havido, sim, violação à ampla defesa na maneira e momento como foram disponibilizados os dados da investigação, sem que fosse dado tempo razoável para exame.
A origem do termo “data dump” é o direito norte-americano. Nos Estados Unidos há uma regra, fundada no caso Brady v. Mariland, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1963, segundo a qual a acusação deve disponibilizar à defesa qualquer elemento de prova que seja “favorável” ao réu, seja para provar sua inocência, seja para diminuir sua pena, ou para prejudicar a credibilidade de uma testemunha da acusação.
Se a acusação não fornece essas provas, o julgamento que tenha resultado em condenação pode ser anulado. Atualmente, discute-se se, diante da realidade das investigações com enormes quantidades de dados, a mera disponibilização dos “data dumps” (termo que, lá, não necessariamente tem o significado pejorativo com o qual foi usado pelo ministro Fux) satisfaz a exigência estabelecida no caso Brady.
***Ao longo do julgamento da trama golpista, o g1 vai contar com o auxílio dos juristas Pedro Kenne e Thiago Bottino para traduzir termos complicados do mundo jurídico, esclarecer as principais divergências e pontuar manifestações relevantes.
***Pedro Kenne é procurador da República, doutorando e mestre em Direito Penal (UFRGS) e especialista em Direito Público (ESMPU).