Operação Carbono Oculto: como o PCC usa fundos de investimento e fintechs para lavar dinheiro

Haddad anuncia que ‘fintechs’ serão monitoradas de perto
Uma megaoperação foi realizada na manhã desta quinta-feira (28) para desarticular um esquema criminoso bilionário no setor de combustíveis, comandado por integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo a investigação, o grupo deixou de pagar mais de R$ 7,6 bilhões em impostos, e foram identificadas irregularidades em várias etapas da produção e distribuição de combustíveis no país.
O esquema utilizava ao menos 40 fundos de investimento e diversas fintechs — empresas de serviços financeiros digitais — para lavar dinheiro, mascarar transações e ocultar patrimônio.
Entre as principais empresas investigadas estão:
Grupo Aster/Copape
O grupo controla usinas, formuladoras, distribuidoras e uma rede de postos de combustíveis utilizados pela organização criminosa;
A Copape atua como formuladora, comprando derivados de petróleo já processados e misturando-os para produzir gasolina e diesel. A Aster, por sua vez, é responsável pela distribuição;
As duas já foram investigadas pelo Ministério Público de São Paulo por fraudes fiscais e recorreram à Justiça Federal no Distrito Federal e ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, para tentar recuperar suas licenças de operação;
Em 2022, o MP-SP arquivou a ação contra a Copape, mas a Secretaria da Fazenda de São Paulo aplicou multas que somaram mais de R$ 2 bilhões;
As empresas pertencem a Mohamad Hussein Mourad e Renato Steinle Camargo. Mohamad comprou ambas em 2020 por R$ 52 milhões;
BK Bank
Fundado em 2015, o BK Bank é uma fintech brasileira que oferece soluções digitais para pessoas físicas e jurídicas. No início, atuava principalmente em benefícios corporativos, como vale-refeição;
Atualmente, oferece também serviços bancários digitais, incluindo transferências, pagamentos, depósitos, emissão de boletos e gestão de cartões pré-pagos;
Também disponibiliza máquinas de cartão e soluções de pagamento para o comércio eletrônico;
De acordo com a investigação, a instituição foi usada para movimentar recursos por meio de contas-bolsão, de difícil rastreamento.
Reag
Considerada uma das maiores gestoras independentes do país, a Reag administra R$ 299 bilhões, segundo informações da própria empresa;
Foi a primeira empresa de gestão de patrimônio (wealth management) listada na B3, sob o código REAG3;
Fundada em 2013, a gestora conta com cerca de 130 profissionais que atuam em áreas como crédito, mercado imobiliário, patrimônio, disputas legais e situações especiais;
Seu portfólio reúne produtos de crédito estruturado, como FIDC, CRI e Debêntures, além de fundos imobiliários, de precatórios, multimercados e de renda fixa.
Segundo os investigadores, os fundos serviam para adquirir empresas e usinas, além de blindar o patrimônio dos envolvidos.
Como era o esquema de lavagem de dinheiro com fintechs
As investigações apontam que, além da lavagem de dinheiro do crime organizado, o esquema também gerava grandes lucros na cadeia de combustíveis. Para viabilizar isso, centenas de empresas eram abertas para ocultar a origem e o destino dos recursos.
A Polícia Federal identificou que as transações eram realizadas por fintechs, em vez de bancos tradicionais, com o objetivo de dificultar o rastreamento dos valores ligados ao PCC.
As fintechs exploravam brechas na regulamentação, o que permitia que o dinheiro ilícito do esquema nos postos de combustíveis fosse integrado ao sistema financeiro.
A Receita Federal constatou que uma dessas fintechs atuava como um “banco paralelo” da facção, movimentando mais de R$ 46 bilhões entre 2020 e 2024. Os mesmos operadores também controlavam fintechs menores, formando uma segunda camada de ocultação.
Essa fintech também recebia depósitos em espécie, somando mais de 10,9 mil operações que totalizaram R$ 61 milhões entre 2022 e 2023 — prática incomum para instituições de pagamento, que geralmente operam apenas com dinheiro eletrônico.
“Conta-bolsão”
Outra brecha na regulação das fintechs é a chamada “conta-bolsão”, uma conta aberta pela própria empresa em um banco comercial, em que os recursos de todos os clientes ficam misturados, sem separação individual.
Por essa conta transitavam pagamentos entre distribuidoras, postos de combustíveis, fundos de investimento do grupo e até despesas pessoais dos operadores do esquema.
Sem fiscalização detalhada, as fintechs atuavam como um núcleo financeiro central da organização criminosa, mas de forma praticamente invisível ao controle oficial.
Blindagem de patrimônio
Boa parte desses recursos sem origem comprovada foi usada para comprar usinas sucroalcooleiras e expandir o grupo, que passou a controlar também distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis.
Os lucros e o dinheiro lavado eram aplicados em fundos de investimento, com múltiplas camadas de ocultação destinadas a esconder os reais beneficiários.
A Receita Federal identificou ao menos 40 fundos — multimercado e imobiliários — com patrimônio de R$ 30 bilhões, todos sob controle do grupo. Muitos eram fundos fechados com apenas um cotista.
Entre os bens adquiridos estão:
1 terminal portuário;
4 usinas de álcool (mais 2 em parceria ou fase de aquisição);
1.600 caminhões para transporte de combustíveis;
Mais de 100 imóveis — entre eles 6 fazendas no interior de SP (avaliadas em R$ 31 milhões) e uma casa em Trancoso/BA (avaliada em R$ 13 milhões).
De acordo com a PF, as administradoras dos fundos tinham conhecimento do esquema e chegaram a descumprir obrigações fiscais para dificultar a identificação das movimentações.
Fintechs serão monitoradas de perto
De acordo com a Receita Federal, a dispensa de obrigatoriedade para que fintechs reportassem operações por meio do sistema e-Financeira foi explorada pela facção criminosa para escapar da fiscalização.
No fim de 2024, as fintechs e outras instituições de pagamento chegaram a ser incluídas no sistema e-Financeira, medida que ampliava também o monitoramento sobre o PIX. A regra, contudo, foi revogada após campanhas de desinformação sobre uma suposta cobrança de imposto no PIX.
O governo recuou e suspendeu a fiscalização mais rígida dessas instituições.
Nesta quinta-feira, após a operação Carbono Oculto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo retomará o monitoramento detalhado dessas instituições. Atualmente, mais de 200 instituições financeiras estão dispensadas de informar dados de movimentação à Receita.
“A partir de amanhã [sexta-feira, 29], a Receita Federal enquadra as ‘fintechs’ como instituições financeiras. O que significa isso? Que as ‘fintechs’ terão que cumprir rigorosamente as mesmas obrigações que os grandes bancos”, disse Haddad.
“Com isso, aumenta o potencial de fiscalização da Receita e a parceria da Receita com a Polícia Federal para chegar aos sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro que o crime organizado tem utilizado”, afirmou o ministro.
A partir desta sexta-feira (29), as fintechs passarão a enviar à Receita as mesmas informações já exigidas dos grandes bancos, medida que será oficializada por uma instrução normativa do órgão.
Infográfico: Como funcionava o esquema bilionário do PCC no setor de combustíveis
Arte/g1
Operação Tank
A megaoperação reúne três frentes: Carbono Oculto, do Ministério Público, e Quasar e Tank, da Polícia Federal. Ao todo, 350 mandados de busca e apreensão foram expedidos contra pessoas físicas e jurídicas.
A Operação Tank apura lavagem de dinheiro do crime organizado por meio de uma rede de postos e distribuidoras de combustíveis.
As investigações tiveram início em 2023, após um ex-condenado por tráfico internacional, já investigado na Operação Ferrari, e sua esposa passarem a ostentar bens de luxo em um condomínio de alto padrão em Pinhais (PR), na região metropolitana de Curitiba, sem comprovar a origem dos recursos.
Além de depósitos em espécie, ao menos 121 empresas suspeitas transferiram aproximadamente R$ 1,4 bilhão para contas de uma distribuidora de petróleo, sem justificativa ou documentação.
Entre 2020 e 2023, uma das distribuidoras declarou faturamento acima de R$ 7 bilhões, mas as evidências indicam que sua estrutura foi construída com recursos ilícitos ao longo dos anos.
Outra instituição de pagamentos, com sede em São Paulo, também foi usada para ocultar a origem e o destino dos valores, transferindo mais de R$ 400 milhões para as contas da distribuidora.
No total, estima-se que mais de R$ 20 bilhões circularam em transações bancárias, gerando uma perda de cerca de R$ 4 bilhões em tributos federais não arrecadados, além de aproximadamente R$ 1 bilhão já inscrito em dívida ativa, segundo a Receita Federal.
Operação do MP-SP com Receita e Polícia Federal
TV Globo