Cid relata que Bolsonaro não queria desmobilizar acampamentos golpistas: ‘Não fui eu que chamei, não vou mandar embora’

Cid relata que Bolsonaro não queria desmobilizar acampamentos golpistas: ‘Não fui eu que chamei, não vou mandar embora’


Segundo ex-ajudante de ordens, ex-presidente não incentivou formalmente os atos nos quartéis, mas também não atuou para impedir ou encerrar a mobilização. Declaração foi feita em depoimento ao STF. Encontrar fraude nas urnas sempre foi a ‘grande preocupação’ de Bolsonaro, diz Cid
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, afirmou em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (9) que o ex-presidente não agiu para desmobilizar os acampamentos golpistas montados em frente a quartéis-generais pelo país após as eleições de 2022.
A declaração foi feita durante o interrogatório do STF com os réus acusados de tramar um golpe de Estado. Cid foi o primeiro a depor por ter firmado acordo de delação premiada com a Polícia Federal.
O advogado de Bolsonaro perguntou se o então presidente teria feito algo para mobilizar os manifestantes. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, acrescentou: “E ele fez algo para manter os acampamentos?”
Segundo Cid, a postura de Bolsonaro era não interferir, nem para apoiar, nem para desmobilizar:
“Não fui eu que chamei, não sou eu que vou mandar embora”, teria dito o ex-presidente nos bastidores, de acordo com o relato do militar.
Na avaliação de investigadores, a omissão de Bolsonaro funcionou como sinal de anuência aos atos que pediam intervenção militar e rejeitavam o resultado das eleições.
A permanência dos acampamentos, inclusive após a diplomação de Lula, foi considerada parte do ambiente que levou aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Mauro Cid durante interrogatório ao STF sobre trama golpista
Reuters/Diego Herculano
Confirma tentativa de golpe
No mesmo depoimento, Cid afirmou que a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os oito denunciados — incluindo Bolsonaro — é verdadeira.
“Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles”, disse.
Ele confirmou ainda que assinou a delação de forma voluntária, negando ter sofrido qualquer tipo de coação. Reafirmou também a veracidade das informações que prestou à Polícia Federal em depoimentos anteriores.
Minuta do golpe foi lida e alterada por Bolsonaro
Cid relatou que Bolsonaro leu e fez alterações na chamada minuta do golpe, um documento que propunha medidas autoritárias para anular o resultado das eleições de 2022.
Segundo ele, o texto era dividido em três partes:
Considerandos: com supostas interferências do STF e do TSE;
Fundamentação jurídica: mencionava estado de defesa, estado de sítio e decretação de um novo processo eleitoral;
Proposta de nova eleição: a ser conduzida por um conselho.
O ex-ajudante de ordens disse ter participado de duas ou três reuniões nas quais o documento foi apresentado a Bolsonaro.
Pressão sobre a Defesa
Cid também contou que Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para que o relatório das Forças Armadas sobre a segurança das urnas eletrônicas tivesse tom mais crítico.
De acordo com o militar, o ministro chegou a marcar uma reunião com o TSE para entregar o relatório, mas adiou o compromisso após pressão direta do presidente.
O relatório final, apresentado dias depois, não apontou fraudes — mas também não descartou a possibilidade de falhas, o que, segundo a PGR, foi parte da estratégia para desacreditar o sistema eleitoral.
Elo com Braga Netto e dinheiro em caixa de vinho
Cid ainda relatou que o general Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice de Bolsonaro, atuava como elo entre o presidente e os acampamentos.
Ele também confirmou que recebeu uma caixa de vinho contendo dinheiro, entregue por Braga Netto no Palácio da Alvorada, e que repassou o valor ao major Rafael de Oliveira, um dos militares investigados no plano radical chamado “Punhal Verde e Amarelo”.
O valor contido na caixa não foi informado por Cid, que disse desconhecer o montante. O major Rafael integra o grupo conhecido como “kids pretos”, apontado pela Polícia Federal como responsável por planejar o assassinato do presidente Lula, do vice Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, caso o golpe fosse levado adiante.
Monitoramento de Moraes
O ministro Moraes também questionou Cid sobre ações de vigilância ilegal a autoridades. O tenente-coronel confirmou que, por orientação de Bolsonaro, era comum verificar movimentações de adversários políticos por meios informais.
Cid relatou que, em dezembro de 2021, o major Rafael de Oliveira pediu o monitoramento de Moraes. Outro pedido semelhante partiu de Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência e militar da ativa.
Plano para matar Lula
Cid afirmou que não tinha conhecimento do plano batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, e que soube do caso pela imprensa, no dia da prisão dos envolvidos.
Segundo a Polícia Federal, o plano incluía a morte de Lula, Alckmin e Moraes como parte de uma ofensiva final, caso a tentativa de golpe fosse deflagrada com sucesso.
Réus e crimes
Além de Bolsonaro e Cid, são réus no processo:
Alexandre Ramagem
Almir Garnier
Anderson Torres
Augusto Heleno
Paulo Sérgio Nogueira
Walter Braga Netto
A PGR acusa o grupo de cinco crimes:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (pena de 4 a 8 anos)
Golpe de Estado (pena de 4 a 12 anos)
Organização criminosa (pena de 3 a 8 anos)
Dano qualificado ao patrimônio da União (pena de 6 meses a 3 anos)
Deterioração de patrimônio tombado (pena de 1 a 3 anos)