Justiça de Pernambuco expõe endereço de vítima de violência doméstica, e mulher se muda para fugir do agressor

Justiça de Pernambuco expõe endereço de vítima de violência doméstica, e mulher se muda para fugir do agressor


Informações deveriam estar sob sigilo, mas apareceram nos autos do processo e chegaram ao ex-companheiro. TJ-PE foi procurado pela reportagem e não se pronunciou sobre o caso. Uma mulher de Pernambuco teve que abandonar o trabalho, mudar de estado com a filha menor de idade e apagar qualquer rastro de onde estava após ter o endereço e o telefone expostos pela Justiça em um processo de violência doméstica.
Mesmo estando sob medida protetiva, os dados dela foram tornados públicos no processo judicial. O agressor, que havia ficado preso preventivamente por seis meses, teve acesso ao novo endereço da vítima e foi até o local. O episódio fez com que ela sentisse medo e decidisse fugir.
O g1 entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Pernambuco, que não se manifestou sobre o caso até a publicação desta reportagem.
Desde 2024, uma mudança na Lei Maria da Penha determinou que processos de violência doméstica devem tramitar automaticamente sob sigilo, sem necessidade de pedido da vítima. Mesmo antes da mudança, a legislação já previa a adoção de outras medidas para garantir a segurança da mulher, sempre que as circunstâncias exigissem — o que significa que o endereço dela não poderia ter sido exposto ao agressor.
Vítima de violência doméstica em Pernambuco teve nome e outros dados pessoais expostos em processo; informações foram tarjadas pela reportagem para não expor a vítima.
Arquivo pessoal e Arte/g1
Agressor apareceu no novo endereço após ser solto
Em fevereiro de 2024, o agressor de Eduarda (nome fictício) foi preso preventivamente por cerca de seis meses após tentar atropelá-la. Separada do ex-companheiro, Eduarda mudou-se para um endereço diferente, levando consigo a filha pequena do casal.
Em agosto, sem saber se o agressor ainda estava detido, ela visitou o fórum várias vezes em busca de informações. Foi durante uma dessas visitas que funcionários da Vara de Violência Doméstica de Olinda solicitaram seus dados atualizados — novo endereço e telefone — alegando que eles seriam necessários para que ela pudesse acompanhar o andamento do processo e saber quando ele estaria em liberdade.
Além de não ter sido comunicada sobre a soltura, o Instituto Maria da Penha, que fez a defesa de Eduarda, conta que os dados atualizados dela acabaram sendo incluídos nos autos — ficando acessíveis ao agressor e ao advogado dele.
Trecho de petição feita pela advogada afirma que dados foram acrescentados após vítima ir a fórum em busca de informações.
Arquivo pessoal/ Arte g1
Ao perceber a exposição, a defesa acionou a Justiça pedindo a retirada urgente dos dados. A ocultação só ocorreu cinco dias depois.
“O mais grave é que o sigilo já era obrigatório por lei. Mas tivemos que implorar por isso. E, durante quase uma semana, os dados dela ficaram abertos, acessíveis a qualquer pessoa”, afirma a advogada responsável pelo caso.
Poucos dias após ser colocado em liberdade, o agressor de Eduarda foi visto estacionado em frente ao novo endereço de Eduarda, que soube do episódio através de vizinhos. Ela também não foi notificada oficialmente da soltura.
Depois do episódio, Eduarda pediu na Justiça que a empresa para a qual trabalha a transferisse, mas sem sucesso. Eduarda pediu então a demissão do emprego e se mudou com a filha. Seu novo endereço é desconhecido até mesmo por sua própria advogada.
“Ela simplesmente pediu demissão do emprego, pegou a filha e mudou de Estado. […] Ela me disse: ‘Não vou nem informar à senhora o endereço para onde estou me mudando, porque tenho medo. Vai que ele hackeia o seu celular'”, relatou a advogada.
Certidão em que juíz pede para que sigilo seja colocado em processo de vítima de violência doméstica.
Arquivo pessoal/ Arte g1
120 vítimas com nomes expostos em ordens de prisão
Contra a lei, Justiça expõe dados pessoais de mulheres e crianças vítimas de violência
A exposição de nomes, endereços, telefones e dados sigilosos em processos judiciais também foram vistos em mandados de prisão.
No último domingo (1º), o g1 revelou que sistemas mantidos pelo CNJ expuseram dados pessoais de mulheres, crianças e adolescentes vítimas de estupro e agressão, casos que, por lei, deveriam tramitar sob segredo de justiça.
A apuração identificou 120 mandados de prisão com nomes, endereços e detalhes da violência sofrida pelas vítimas, além de cinco processos judiciais com informações semelhantes. Os dados foram expostos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), sistema que reúne todos os mandados de prisão emitidos no país (leia a reportagem aqui).