Apenas 6% da bancada do agro no Congresso é de esquerda — especialistas veem ‘erro estratégico’ do governo Lula

Frente Parlamentar do Agronegócio e Frente Parlamentar de Agricultura Familiar praticamente não têm deputados ou senadores esquerdistas. Cientistas políticos destacam necessidade de melhorar diálogo entre ala progressista e agronegócio. De todos os 353 deputados e senadores integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), apenas 20 congressistas são de partidos de esquerda.
O índice representa menos de 6% do total, como aponta o levantamento feito pela GloboNews.
Especialistas avaliam que esse distanciamento impacta negativamente o governo e a base aliada formada por partidos de esquerda das discussões, um “erro estratégico”.
🔎Frente parlamentar é uma associação de deputados ou senadores de diferentes partidos políticos, que se unem para discutir e defender um tema específico de interesse público (entenda mais abaixo).
O relacionamento com setor do agronegócio, um dos mais expressivos do país, em termos de PIB e geração de empregos, representa um desafio para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ele, inclusive, já defendeu que o agronegócio tem “problema” com o governo por questão “ideológica”.
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Para o cientista político Murilo Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), a baixa interlocução entre a esquerda e as entidades representativas do setor agropecuário é um “erro estratégico”.
Isso porque, segundo ele, além de reduzir a possibilidade de formação de quadros políticos com essa base de apoio, tal distanciamento impacta também no jogo eleitoral.
Na Frente Parlamentar de Agricultura Familiar, a esquerda também é minoria, apesar de percentualmente ter um pouco mais de expressividade. De 199 parlamentares, 30 são de esquerda – aproximadamente 15%.
“Enquanto o campo conservador passou a abraçar abertamente o setor como símbolo de força econômica e identidade nacional, o progressista não conseguiu até hoje construir uma ponte eficiente com o agronegócio, mesmo diante da sua relevância inegável para o PIB brasileiro”, explica Medeiros.
Por outro lado, o cientista político e advogado Nauê Bernardo de Azevedo pontua que, para além da ausência da esquerda, é preciso também olhar para a real disposição de diálogo por parte de representantes do agro.
“Alguns setores ligam a esquerda à pauta ambiental, considerada restritiva para o crescimento do setor, o que potencializa as críticas. No entanto, debate requer inserção, pelo lado de uns, e abertura, pelo lado de outros. Uma relação de troca constante de opiniões”, afirma.
Qual o papel das frentes parlamentares?
🔎 Frentes parlamentares são associações de congressistas de vários partidos para debater sobre determinado tema de interesse da sociedade.
Azevedo explica que as frentes são fundamentais para o parlamento, para os setores representados e para a sociedade como um todo.
“São locais de discussão suprapartidários, capazes de provocar amplas discussões com uma diversidade de visões políticas que têm como grande fator de ligação aquela pauta em específico”, detalha o especialista.
Segundo o jurista, “diante da complexidade e número de visões que existem em uma democracia saudável, a existência das frentes parlamentares é essencial para qualificar o debate e a tomada de decisões”.
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Divulgação
Debate necessário
Para o deputado João Bacelar (PV-BA), um dos 20 parlamentares de esquerda membros da FPA, o espectro político não pode se ausentar da pauta.
“O agro brasileiro não é um bloco homogêneo. Há pequenos e médios produtores, cooperativas, agricultores familiares que também precisam de representação. Se a esquerda se ausenta completamente, deixa de influenciar o debate”, ressalta.
“Compreendo que muitos colegas de esquerda optem por não assinar a frente por associarem o setor a pautas conservadoras ou contrárias ao meio ambiente e aos direitos dos povos tradicionais. Mas acredito que justamente por isso é importante ocupar esse espaço com outra visão”, pontua Bacelar.
O senador Flávio Arns (PSB-PR), também membro da FPA, afirma que o agro precisa ser “cuidado e valorizado”. “É essencial que o governo e os partidos políticos apoiem o setor e se disponham a dialogar”, diz.
“Participando das reuniões, eu vejo que os temas abordados são essenciais tanto para os grandes como para os pequenos produtores. O governo e os partidos da sua base têm que participar dos debates e estar em sintonia com as forças produtivas do país, pois elas são fundamentais não só para a geração de emprego e renda como também para a arrecadação de impostos que sustentam as políticas públicas”, destaca Arns.
Histórico
Presidente Lula rebate críticas sobre o Plano Safra
O cientista político Murilo Medeiros explica que a esquerda e o agronegócio, historicamente, se afastaram por divergências na agenda de valores.
Enquanto o agro defendia a expansão do setor por meio da produção e da modernização, a esquerda priorizava programas de reforma agrária, barreiras ambientais e proteção de populações tradicionais.
“Muitas vezes, em contraponto ao avanço do agronegócio em determinadas regiões. Isso criou um afastamento entre os dois polos”, diz Medeiros.
“A partir do governo Bolsonaro, a relação entre a esquerda e o agronegócio ficou ainda mais distante, marcada por tensões ideológicas e divergências de visão sobre o papel do setor na economia e na sociedade”, acrescenta.
Além de dizer que representantes do agronegócio brasileiro têm “problema” com o governo petista por uma questão “ideológica”, o presidente Lula também fez críticas à postura do setor.
Segundo ele, líderes do agro, “sempre reclamam” que os recursos liberados pelo governo são “insuficientes”.
Agro x meio ambiente
Para Nauê Bernardo de Azevedo, o cenário político brasileiro está defasado.
“Há muita disputa, algumas grandes e outras nem tanto. Considerando o elemento ideológico que também está presente em partes dos representantes do agronegócio, há desincentivo para a participação de agentes progressistas nessa mesa de conversa”, pontua.
Na terça-feira (3), o presidente Lula anunciou que vai destinar R$ 825,7 milhões ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Os recursos visam o projeto FortFisc – Fortalecimento da Fiscalização Ambiental para o Controle do Desmatamento Ilegal na Amazônia.
“Meio ambiente não pode ser uma pauta de esquerda ou de direita, é preciso que seja uma pauta da humanidade como um todo. Existem setores da direita e do agronegócio dispostos a mostrar a conservação da natureza, tentando trazer o mercado para ajudar nessa pauta, e isso também encontra resistência em setores da esquerda”, destaca o profissional.